Não é tanto o que está no nosso genoma, mas o que não está, que pode ter levado a espécie humana a transformar-se naquilo que é hoje. Pelo menos, esta foi uma das principais conclusões alcançadas por uma equipa de investigadores do Instituto Broad, do Instituto Tecnológico de Massachussets – MIT – e das universidades de Harvard e Yale, que afirmam que aquilo que está ausente do genoma humano, em comparação com os genomas de outros primatas, poderá ter sido tão essencial para o desenvolvimento da humanidade como o que lhe foi acrescentado ao longo da nossa história evolutiva.
As novas descobertas, publicadas no dia 28 de Abril na revista “Science”, preenchem uma lacuna importante acerca daquilo que se sabe sobre as mudanças históricas ocorridas no genoma humano.
A recente revolução na capacidade de compilar quantidades crescentes de dados sobre os genomas de diferentes espécies permitiu aos cientistas identificar factores genéticos específicos do genoma humano que o tornam singular. Exemplo disso é o gene FOXP2, fundamental para o desenvolvimento da fala, uma qualidade única da nossa espécie. Até agora, porém, pouca atenção se tinha prestado àquilo que está ausente do genoma humano.
Comparando o genoma humano com o de outros primatas
Com este novo foco em mente, a equipa dirigida por Steven Reilly, professor de genética da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, comparou exaustivamente o genoma humano com o de outros primatas, demonstrando que a perda de aproximadamente 10.000 pedaços de informação genética, na sua maioria tão pequenos como alguns pares de bases de ADN, ao longo da nossa história evolutiva, é uma das diferenças subtis que separam os seres humanos dos chimpanzés (o nosso parente primata mais próximo).
Estes 10.000 pedaços de ADN ausentes (de entre os 300 mil milhões que compõem o nosso genoma) estão presentes nos genomas de outros mamíferos. Os cientistas também provaram que se trata de delecções, ou seja, perdas de fragmentos genéticos, comuns a todos os seres humanos, e que muitas estavam associadas a genes envolvidos em funções neuronais e cognitivas, algumas delas relacionadas com a formação de células durante o desenvolvimento cerebral.
Segundo os autores, o facto de estas supressões genéticas se terem conservado em todos os seres humanos é uma prova da sua importância evolutiva, sugerindo que conferem alguma vantagem biológica. “Pensamos frequentemente que as novas funções biológicas exigem novos fragmentos de ADN, mas este trabalho mostra-nos que eliminar o código genético pode ter consequências profundas para as características que nos tornam únicos enquanto espécie”, explica Reilly, cujo artigo é um dos doze publicados na revista “Science” no âmbito do Projecto Zoonomia, uma investigação internacional que compara o genoma de 240 mamíferos.
Não és vs És
No seu estudo, a equipa de Yale descobriu que algumas sequências genéticas presentes nos genomas da maioria das espécies de mamíferos estudadas, desde ratazanas a baleias, desapareceram nos seres humanos. “Essas delecções podem modificar ligeiramente o significado das instruções de ‘como fazer um ser humano’, o que ajuda a explicar os nossos cérebros maiores e a nossa capacidade cognitiva”, acrescenta.
“A eliminação desta informação genética”, conclui Reilly, “teve um efeito equivalente a eliminar as letras N, A e O da frase “não és” para criar uma nova, “és”, dando origem exactamente àquilo que somos hoje em dia.