Em “Viagem ao Centro da Terra”, Júlio Verne imaginou que a passagem que levaria os protagonistas ao centro do planeta se situaria na Islândia.

Mais concretamente, situou-a na cratera do Snaefellsjökull, um estratovulcão coroado por um glaciar que se encontra no extremo da península de Snaefellsnes, na zona ocidental deste país insular localizado abaixo do círculo polar árctico. Embora o escritor francês nunca tenha pisado solo islandês, imaginou esta ilha atlântica como a meca dos amantes da geologia. Não há dúvida de que o solo agreste e primitivo da Islândia, sulcado por vulcões activos, lagos, géiseres e glaciares, possui uma orografia espectacular. Com 106 mil quilómetros quadrados de superficie (um pouco maior do que Portugal) e uma população de 360 mil habitantes (30 vezes inferior à portuguesa), o calor que pulsa sob o solo islandês permite que nove em cada dez casas sejam aquecidas por energia geotérmica e quase 100% da electricidade provenha da sua enorme potência hidráulica e geotérmica.

“A conjugação destes factores (actividade vulcânica e cursos de água caudalosos) cria condições excepcionais para a produção de energias renováveis”, explica Halla Hrund Logadóttir, directora-geral da Autoridade Nacional de Energia da Islândia e co-fundadora da Arctic Initiative, uma entidade que estuda soluções para enfrentar as aceleradas alterações climáticas que atormentam a região.

A ilha fica na Dorsal Meso-Atlântica, entre as placas tectónicas euro-asiática e norte-americana, região vulcânica muito activa que alimenta os seus sistemas geotérmicos. “Além disso, os glaciares cobrem 11% do território e o degelo sazonal alimenta os rios glaciares, que correm das montanhas até ao mar, garantindo os recursos hidroeléctricos do país. Como se isso não fosse suficiente, conta com um enorme potencial de energia eólica, que ainda está praticamente por explorar”, acrescenta Halla.

Esta natureza privilegiada permitiu ao pequeno país nórdico acelerar a transição energética de que o mundo tanto fala. Para Halla, formada em Ciências Políticas e Economia, a transição da Islândia para as energias renováveis pode ser uma fonte de inspiração para todos os países que tentam aumentar a sua percentagem de energia limpa. “Na década de 1960, a maior percentagem do consumo energético do meu país provinha de combustíveis fósseis importados”, recorda. E aquilo que impulsionou a grande mudança não foi a ecologia, mas sim a economia. “A Islândia não conseguia suportar as flutuações dos preços do petróleo devido às crises que agitavam os mercados energéticos mundiais. Isolado e à beira do círculo polar árctico, o país precisava de um recurso energético nacional estável e viável do ponto de vista económico.”

Nesse contexto, graças à acção de empresários locais e do governo, foram surgindo formas de aproveitamento da água quente que emanava do solo para aquecer as casas, inicialmente a nível doméstico, mas logo depois à escala comercial.

O potencial hidroeléctrico atraiu indústrias de todo o mundo e deu o pontapé de saída de um processo que diversificou a economia, gerou emprego e permitiu criar uma rede eléctrica nacional bastante dispendiosa, dada a baixa densidade populacional do território. Foi uma aposta que permitiu à Islândia mudar radicalmente de rumo. Considerada um país em vias de desenvolvimento pela ONU até à década de 1970, a Islândia começou finalmente a prosperar, deixando para trás séculos de pobreza.

Embora as circunstâncias deste pequeno território sejam singulares, Halla pensa que a Islândia pode servir de exemplo para os países que enfrentam desafios parecidos com os que enfrentou há 50 anos, ajudando-os com especialização técnica em energias renováveis adquirido. “A indústria energética da Islândia participou em projectos geotérmicos em mais de 50 países e mantém-se activa em todo o mundo. Trabalhou por exemplo na construção do maior sistema de aquecimento central geotérmico urbano do mundo, na China, que abastece mais de um milhão de utilizadores”, comenta.

A Islândia é o cenário de experiências para alcançar a necessária descarbonização, como o desenvolvido pela Carbfix, uma empresa a 20 minutos de Reiquejavique, que desenvolveu uma tecnologia capaz de transformar dióxido de carbono em rocha. “Tal como a vegetação, as rochas são reservatórios de carbono”, explica a directora da empresa, Edda Sif Pind Aradóttir. “Nós aceleramos o processo natural para capturar e eliminar de forma permanente o excesso de CO2”. Para tal, o gás é capturado na fonte de emanação ou directamente na atmosfera e, em seguida, é dissolvido em água. O produto resultante é uma espécie de água gaseificada que se injecta sob a terra, a mais de mil metros de profundidade, onde o CO2 solidifica após reagir com formações rochosas ricas em catiões, como o basalto. Na natureza, o processo demoraria milhares de anos; a Carbfix consegue realizá-lo em dois. “Esperamos desenvolver esta tecnologia, já comprovada, a grande escala na década de 2030”, acrescenta Edda.

Outra iniciativa promissora é desenvolvida na Carbon Recycling International (CRI). Fundada em 2006 na capital islandesa, a empresa desenvolve desde 2012 uma tecnologia para sintetizar metanol renovável à escala industrial a partir de dióxido de carbono e hidrogénio, proporcionando assim um combustível verde e uma matéria-prima química com aplicações em todo o mundo. “A nossa fábrica mais recente transformará o dióxido de carbono em metanol e substituirá a produção à base de carbono, o que terá um impacte similar à eliminação de 100 mil automóveis das estradas”, explica Benedikt Stefansson, director de negócios da CRI.

O objectivo de todos estes projectos é alcançar em 2050 um futuro energético sustentável para limitar o aquecimento global abaixo de 2°C. Muitos islandeses estão empenhados nessa tarefa, mesmo que em frentes distintas. Estufas alimentadas a energia geotérmica, reciclagem de plásticos sem produtos químicos, agricultura vertical, aquicultura sustentável, roupa confeccionada com cabedal feito de pele de peixe… Múltiplos projectos ajudarão a completar a mudança de paradigma. Uma das tarefas pendentes consiste em reduzir as emissões dos sectores dos transportes e das indústrias pesqueira e metalúrgica. No âmbito ambiental, a Islândia também precisa de reflorestar uma terra que perdeu 95% do seu coberto vegetal original e recuperar as zonas húmidas, comprometidas devido a décadas de má gestão. No entanto, tudo aponta para que a maioria dos islandeses esteja a favor desta luta por um futuro mais verde. Já existe um farol para orientar os marinheiros nesta rota atribulada para o futuro. Espera-se que muitos países sigam o mesmo rumo.