O Museu Mütter, em Filadélfia, aloja um conjunto singular de peças anatómicas. No piso inferior, os fígados fundidos dos gémeos siameses do século XIX, Chang e Eng, flutuam num frasco de vidro. Ali perto, os visitantes espantam-se ao ver mãos inchadas pela gota, os cál-
culos renais do juiz John Marshall, presidente do Supremo Tribunal Federal dos EUA, o tumor cancerígeno extraído do queixo do presidente Grover Cleveland e o fémur de um soldado da Guerra da Secessão com a bala que o feriu ainda alojada. No entanto, existe um expositor junto da entrada que causa um espanto sem igual.
O objecto que os fascina é uma pequena caixa de madeira com 46 lamelas de microscópio. Cada uma contém uma fatia do cérebro de Albert Einstein.
O objecto que os fascina é uma pequena caixa de madeira com 46 lamelas de microscópio. Cada uma contém uma fatia do cérebro de Albert Einstein. A lupa colocada sobre uma das lamelas revela um pedaço de tecido do tamanho aproximado de um selo, com graciosas ramificações e curvas semelhantes à fotografia aérea de um estuário. Estes restos de tecido cerebral são hipnotizantes, apesar de pouco revelarem sobre os tão aclamados poderes cognitivos do físico. Outras exposições do museu revelam doenças e desfiguramentos – resultados de algo que correu mal. O cérebro de Einstein representa o potencial, a capacidade de uma mente excepcional, de um génio para se catapultar mais longe do que todos os outros. “Ele via as coisas de maneira diferente dos restantes”, afirma a visitante Karen O’Hair enquanto observa a amostra. “E era capaz de ir para lá do que não conseguia ver, o que é absolutamente espantoso.”
Ao longo da história, raros foram os indivíduos que se destacaram pelos seus contributos fulgurantes em determinado campo. Lady Murasaki pela sua inventividade literária. Miguel Ângelo pela sua mestria artística. Marie Curie pela sua acuidade científica. “O génio ilumina o seu tempo como um cometa em trânsito junto dos planetas”, escreveu o filósofo alemão Arthur Schopenhauer. Analise-se o impacte de Einstein na física: sem quaisquer ferramentas ao seu dispor além do poder do seu pensamento, previu, com a teoria geral da relatividade, que objectos giratórios maciços criavam ondas no tecido do espaço-tempo. Foram necessários cem anos, uma enorme capacidade de processamento informático e tecnologia incrivelmente sofisticada para provar que ele tinha de facto razão: há menos de dois anos, detectaram-se fisicamente estas ondas gravitacionais.
O factor que distingue a genialidade é a capacidade de o legado provocar repercussões durante muito tempo. Em Florença, o David de Miguel Ângelo ergue-se acima dos turistas que o admiram, mais de quinhentos anos após o artista ter esculpido a estátua a partir de um único bloco de mármore desprezado por outros escultores.
Einstein revolucionou a nossa compreensão das leis do universo, mas a compreensão do funcionamento de uma mente como a dele permanece limitada. O que distinguiu o seu poder cerebral e os seus processos de raciocínio dos seus pares meramente brilhantes? Como se faz um génio?
Há muito que os filósofos ponderam as origens da genialidade. Os primeiros pensadores gregos acreditavam que um excesso de bílis negra (um dos quatro humores propostos por Hipócrates) dotava poetas, filósofos e outras almas eminentes de “poderes exaltados”, segundo o historiador da ciência Darrin McMahon. Os frenologistas tentaram encontrar a genialidade em saliências na cabeça. Os especialistas em craniometria coleccionavam crânios (incluindo o do filósofo Immanuel Kant) para sondá-los, medi-los e pesá-los.
Ninguém descobriu uma origem única para a genialidade e é improvável que ela venha a ser encontrada.
Ninguém descobriu uma origem única para a genialidade e é improvável que ela venha a ser encontrada. A genialidade é demasiado esquiva, demasiado subjectiva, demasiado vinculada ao veredicto da história para ser facilmente identificada. E exige a simplificação da derradeira expressão de demasiadas características no ponto mais alto da escala humana. Em vez disso, podemos tentar compreendê-la desenredando as qualidades complexas e entrelaçadas (inteligência, criatividade, perseverança e sorte, para mencionar apenas algumas) que se combinam para criar um indivíduo capaz de mudar o mundo.
A inteligência tem sido entendida como referência-padrão da genialidade, uma qualidade mensurável capaz de gerar grandes feitos. Lewis Terman, o psicólogo da Universidade de Stanford que ajudou a criar o teste de QI, acreditava que um teste capaz de medir a inteligência revelaria igualmente a genialidade. Na década de 1920, iniciou um projecto de acompanhamento de mais de 1.500 crianças californianas em idade escolar com Quocientes de Inteligência (QI) geralmente superiores a 140, um limiar a partir do qual considerou que se tratava de um “quase génio ou génio”. Terman pretendia perceber como prosseguiam as suas vidas e como estas se comparavam com as de outras crianças.
O especialista e os seus colaboradores seguiram os participantes, que alcunharam de “Térmitas”, ao longo das suas vidas e registaram os seus sucessos numa série de estudos, os “Genetic Studies of Genius”. O grupo integrava membros da Academia das Ciências dos EUA, políticos, médicos, professores e músicos. Quarenta anos após o início do estudo, os investigadores documentaram os milhares de estudos académicos e livros por eles publicados, bem como o número de patentes registadas (350) e contos ou novelas escritos (cerca de quatrocentos).
No entanto, uma inteligência monumental não é garantia, por si só, de proezas monumentais, como Lewis Terman e os seus colaboradores descobriram. Alguns participantes no estudo tiveram dificuldade em alcançar sucesso, apesar do seu elevado QI. Várias dezenas abandonaram os estudos universitários numa fase precoce. Outros, que tinham sido submetidos a testes mas cujos QI não eram suficientemente elevados para a integração no projecto, tornaram-se figuras conhecidas nas suas áreas. Existem precedentes para esta desvalorização: basta lembrar que Charles Darwin foi considerado em idade escolar “um rapaz banal, bastante abaixo do padrão em termos intelectuais”. Na idade adulta, resolveu o mistério da evolução da diversidade da vida.
Um século depois de Einstein prever as ondas gravitacionais com a sua teoria da relatividade geral, cientistas como Kazuhiro Yamamoto (na bicicleta) planeiam utilizar o primeiro telescópio de ondas gravitacionais subterrâneo, o KAGRA, em Hida, no Japão, para explorar aquilo que o físico deduziu mas não conseguiu detectar.
Inovações científicas como a teoria darwinista da evolução por selecção natural seriam impossíveis sem criatividade, uma faceta da genialidade que Lewis Terman não conseguia medir. Estudos do cérebro fornecem pistas sobre como os momentos eureka podem acontecer. O processo criativo apoia-se na interacção dinâmica das redes neurais, funcionando em conjunto e mobilizando diferentes áreas do cérebro em simultâneo – dos hemisférios esquerdo e direito e, sobretudo, de regiões do córtex pré-frontal, explica Rex Jung, neurocientista da Universidade do Novo México. Uma destas redes promove a nossa capacidade de reacção às exigências externas (as actividades que temos de realizar, como sair para trabalhar ou pagar impostos) e reside essencialmente em zonas mais exteriores do cérebro. Uma outra cultiva processos de raciocínio internos, incluindo divagações e processos de imaginação. Ocorre sobretudo na região média do cérebro.
Os rasgos inesperados de clarividência também requerem reflexão. Ao ver uma maçã cair perpendicularmente no solo em 1666, Isaac Newton concluiu que “deverá existir um poder de atracção na matéria”, nas palavras de um amigo seu. A árvore que fez surgir a sua lei da gravidade continua firmemente enraizada junto à sua casa de infância, em Woolsthorpe Manor.
A improvisação no jazz é um bom exemplo de como as redes neurais interagem durante o processo criativo. Charles Limb, especialista em audição e cirurgia do ouvido da Universidade da Califórnia, concebeu um teclado sem ferro suficientemente pequeno para poder ser tocado por um dispositivo de ressonância magnética.
Pediu a seis pianistas de jazz que tocassem uma escala e uma peça de música memorizada e depois que improvisassem solos enquanto ouviam melodias de um quarteto. Os seus exames demonstraram que a actividade cerebral era “fundamentalmente diferente” enquanto os músicos improvisavam, diz o autor. A rede neuronal interna, associada à auto-expressão, mostrou um aumento de actividade, enquanto a rede externa, relacionada com a atenção direccionada e a autocensura, acalmou. “É quase como se o cérebro desligasse a sua capacidade de se criticar a si próprio”, comenta.
A produtividade é uma característica definidora da genialidade. Desenhos a carvão cobrem a parede de uma sala previamente escondida sob a Capela Medici, em Florença, onde Miguel Ângelo se escondeu durante três meses em 1530, depois de desafiar os seus patronos. Os desenhos incluem o esboço de uma figura sentada (à direita) que se encontra num túmulo da capela.
Este projecto pode ajudar a compreender as fabulosas actuações do pianista de jazz Keith Jarrett. Apesar de improvisar concertos que podem durar duas horas, ele considera difícil ou impossível explicar como a sua música ganha forma. Quando se senta diante do público, afasta as notas da sua cabeça, deslocando as mãos para teclas que não tencionava tocar. “Estou a passar totalmente ao lado do cérebro”, diz. “Sou atraído por uma força pela qual só posso dar graças.” Keith Jarrett recorda-se especificamente de um concerto em Munique, em que se sentiu como se tivesse desaparecido nas notas agudas do teclado. A sua criatividade artística, alimentada por décadas de audição, aprendizagem e treino de melodias, emerge quando ele não está a controlá-la tão activamente.
Um sinal de criatividade é ser capaz de estabelecer ligações entre conceitos aparentemente díspares. Uma comunicação mais rica entre diferentes áreas do cérebro pode contribuir para esses saltos intuitivos. Andrew Newberg, director de investigação do Instituto Marcus de Saúde Integrada nos Hospitais Universitários Thomas Jefferson, está a utilizar exames de ressonância magnética de difusão, uma técnica de contraste, para cartografar vias neurais no cérebro de pessoas criativas.
Stephen Wiltshire, artista britânico com autismo, desenhou uma panorâmica pormenorizada da Cidade do México em cinco dias, após a observar durante uma tarde. O psiquiatra Darold Treffert crê que uma ligação singular entre os hemisférios esquerdo e direito permite a indivíduos como Stephen acederem a reservas de criatividade.
Os participantes realizam testes-padrão criativos: são levados a inventar novas formas de utilização de objectos do quotidiano. Andrew Newberg espera comparar as ligações dos cérebros destas grandes mentes com as de um grupo de controlo para descobrir se existem diferenças na eficácia da interacção das diferentes regiões.
O seu derradeiro objectivo é examinar 25 indivíduos em cada categoria e depois compilar os dados em busca de semelhanças dentro de cada grupo, bem como diferenças que possam aparecer consoante as vocações. Por exemplo, existirão determinadas áreas mais activas no cérebro de um comediante do que no de um psicólogo?
Uma comparação preliminar entre um “génio” e um indivíduo do grupo de controlo revela um contraste intrigante. Nos exames cerebrais dos sujeitos, feixes de cor verde, vermelha e azul iluminam secções de matéria branca que enviam e isolam as fibras que permitem aos neurónios transmitir mensagens eléctricas. A mancha vermelha em cada imagem é o corpo caloso, uma área no centro do cérebro contendo mais de duzentos milhões de fibras nervosas que estabelece a ligação entre os dois hemisférios e facilita a conectividade entre eles. “Quanto mais vermelho vemos, mais fibras de ligação existem”, diz Newberg. A diferença é impressionante: a secção vermelha do cérebro do “génio” parece quase o dobro da vermelha do cérebro de controlo.
Redes sociais da genialidade -
Os génios solitários são raros. Dean Keith Simonton esquadrinhou dicionários biográficos em busca de referências a relações entre 2.026 cientistas e 772 artistas. Descobriu que os membros de cada campo foram criadores no seio de uma rede de ligações, como se comprova com os casos de Isaac Newton e Miguel Ângelo.
Gráfico Oliver Uberti. Fonte: Dean Keith Simonton, Professor Emérito, Universidade da Califórnia, Davis.
Segundo o poeta William Wordsworth, Isaac Newton era “uma mente viajante por entre os estranhos mares do pensamento, sozinho e para sempre”. Newton, porém, conhecia os principais cientistas da Europa. Leu os seus trabalhos e eles leram o seu. Mais tarde, escreveu: “Consegui ver mais longe porque estava apoiado nos ombros de gigantes.” (à esquerda); Com a ajuda do pai, Miguel Ângelo obteve um estágio com Domenico Ghirlandaio, um pintor florentino. Pouco depois, o mestre enviou o pupilo para trabalhar no jardim de esculturas de Lorenzo de Medici. A missão expôs Miguel Ângelo a algumas das melhores obras de arte do mundo e deu-lhe acesso aos maiores mecenas da época. Retratos: Paul D. Stewart, Science Source (Newton); Scala/Art Resource, NY (Miguel Ângelo).
“Isto implica a existência de mais comunicação entre os hemisférios esquerdo e direito, tal como seria de esperar em pessoas altamente criativas”, acrescenta Andrew Newberg, sublinhando que o estudo ainda está em curso. “Existe mais flexibilidade nos processos de raciocínio, mais contributos de sectores diferentes do cérebro.” Os feixes de cor verde e azul mostram, entre outras áreas cerebrais, a conectividade, estendendo-se da frente para trás e podem revelar pistas adicionais. “Ainda não sei o que mais poderemos encontrar. Isto é apenas uma parte”, resume o investigador.
No mesmo momento em que os neurocientistas tentam compreender a maneira como o cérebro promove o desenvolvimento de processos de raciocínio capazes de alterar paradigmas, outros investigadores debatem a questão de como e a partir de quê se desenvolve esta capacidade. Os génios já nascem assim ou desenvolvem-se?
Cerca de dez mil pares de gémeos fazem parte do estudo de Robert Plomin no King’s College de Londres. O especialista pretende encontrar pistas sobre a forma como os genes e o ambiente afectam o desenvolvimento. A genética da inteligência é muito complexa. “A maioria dos génios não descende de pais geniais”, diz Robert Plomin.
Francis Galton, primo de Darwin, manifestava-se contra aquilo que chamava “pretensões de igualdade natural”, defendendo que a genialidade era transmitida hereditariamente. Para prová-lo, cartografou as linhagens de vários líderes europeus de diferentes áreas – desde Mozart e Haydn a Byron, Chaucer e Napoleão. Em 1869, publicou os seus resultados em “Hereditary Genius”, um livro que viria a desencadear o debate entre o contributo natureza e o do estímulo cultural e que daria origem ao campo desprezível da eugenia. Os génios eram raros – aproximadamente 1 num milhão, concluiu Galton. O que não era invulgar, escreveu, eram os diversos casos “em que homens mais ou menos ilustres têm parentes importantes”.
Recorrendo a exames de ressonância magnética (em cima), o especialista em audição Charles Limb descobriu que os músicos de jazz e os rappers freestyle suprimem o sector da automonitorização dos seus cérebros enquanto improvisam. Limb planeia utilizar exames de electroencefalografia para medir a actividade eléctrica nos cérebros de outros indivíduos criativos, incluindo comediantes. Já fez experiências consigo. A azul: Desactivação pré-frontal lateral, automonitorização; a vermelho: Activação pré-frontal média, auto-expressão (em baixo).
Os actuais avanços na investigação genética permitem examinar características humanas ao nível molecular. Nas últimas décadas, os cientistas têm procurado genes que contribuam para a inteligência, o comportamento e, até, qualidades singulares como o ouvido absoluto. No caso da inteligência, esta investigação origina preocupações éticas com a forma como poderá ser utilizada. Também é incrivelmente complexa, pois pode envolver milhares de genes – cada qual com um efeito diminuto. E os outros tipos de capacidades? Haverá alguma característica inata para lá da “queda para a música”? Crê-se que vários músicos de sucesso, incluindo Mozart e Ella Fitzgerald, teriam ouvido absoluto, o que poderá ter desempenhado um papel nas suas carreiras extraordinárias. O potencial genético por si não garante a concretização. Também é necessário estimular a genialidade para que ela cresça. Influências sociais e culturais podem fornecer esse estímulo, criando aglomerados de genialidade em determinados locais e momentos da história: Bagdade na época dourada do islão, Calcutá durante o Renascimento de Bengala, Silicon Valley na actualidade.
Nas últimas décadas, os cientistas têm procurado genes que contribuam para a inteligência, o comportamento e, até, qualidades singulares como o ouvido absoluto.
Uma mente sequiosa também pode encontrar o estímulo intelectual de que necessita em casa, nomeadamente nos subúrbios de Adelaide (Austrália), de onde provém Terence Tao, amplamente considerado um dos maiores cérebros matemáticos da actualidade. Tao mostrou uma impressionante compreensão da linguagem e dos números numa idade muito precoce, mas os seus pais proporcionaram-lhe um ambiente em que ele pôde florescer. Deram-lhe livros, brinquedos e jogos e encorajaram-no a brincar e aprender sozinho, práticas que, segundo o pai, Billy, estimularam a originalidade e as capacidades de resolução de problemas. Billy e a mulher, Grace, também procuraram oportunidades de aprendizagem avançada para o filho quando ele iniciou o ensino formal e teve a sorte de conhecer educadores que ajudaram a desenvolver e ampliar a sua mente. Tao inscreveu-se em disciplinas do ensino secundário aos 7 anos, teve uma classificação extraordinária na secção de matemática dos exames SAT aos 8, começou a frequentar a universidade a tempo inteiro aos 13 e tornou-se professor na UCLA aos 21 anos. “O talento é importante, mas mais importante ainda é a maneira como o desenvolvemos e o alimentamos”, escreveu em tempos no seu blogue.
Os dons naturais e o ambiente estimulante podem não bastar para produzir um génio, se não existirem motivação e tenacidade que o empurrem em frente. Estas características de personalidade, que levaram Darwin a passar duas décadas no aperfeiçoamento da “Origem das Espécies” e o matemático indiano Srinivasa Ramanujan a produzir milhares de fórmulas, inspiraram o trabalho da psicóloga Angela Duckworth. Na sua opinião, as pessoas singram graças a uma combinação de paixão e perseverança, a que chama “garra”. Angela, ela própria um “génio” da Fundação MacArthur e professora de psicologia da Universidade da Pensilvânia, defende que o conceito da genialidade é muito facilmente envolvido em camadas de magia, como se os grandes feitos ocorressem espontaneamente, sem trabalho árduo.
“A única coisa que funciona é deixarmo-nos ir”, diz o pianista Keith Jarrett improvisando.
Ela considera que existem diferenças em matéria de talento individual e que a determinação e a disciplina são fundamentais para o sucesso. “O indivíduo capaz de alcançar feitos grandiosos não o faz sem esforço”, resume.
Nem o consegue à primeira tentativa. “O primeiro indicador do impacte é a produtividade”, afirma Dean Keith Simonton, professor emérito de psicologia na Universidade da Califórnia e especialista em genialidade. Os grandes sucessos ocorrem após várias tentativas. “A maioria dos artigos publicados na área científica nunca é citada”, diz. “A maioria das composições não é gravada. A maioria das obras de arte não é exposta.” Thomas Edison inventou o fonógrafo e a primeira lâmpada comercialmente viável, mas estas são apenas duas das mais de mil patentes que registou nos Estados Unidos.
A falta de apoio pode diminuir as hipóteses de potenciais génios, que não encontram oportunidade de serem produtivos. Ao longo da história, as mulheres têm sido impedidas de receber uma educação formal, desencorajadas de evoluir profissionalmente e os seus feitos subvalorizados.
A falta de apoio pode diminuir as hipóteses de potenciais génios, que não encontram oportunidade de serem produtivos.
A irmã mais velha de Mozart, Maria Anna, intérprete brilhante de cravo, teve a sua carreira travada pelo pai quando atingiu a idade casadoira de 18 anos. Metade das mulheres do estudo de Terman tornou-se dona de casa. As pessoas nascidas em condições de pobreza ou opressão não têm oportunidade de se dedicar a mais nada para além da sobrevivência. “Se acreditarmos que a genialidade pode ser seleccionada, cultivada e estimulada, concluímos que é uma tragédia que milhares de génios ou potenciais génios tenham definhado e morrido”, comenta o historiador Darrin McMahon.
Por vezes, num golpe de pura sorte, o potencial e a oportunidade conjugam-se. Talvez o indivíduo que personifica o conceito da genialidade em todos os aspectos, desde os seus ingredientes ao seu duradouro impacte, seja Leonardo da Vinci. Nascido em 1452, Leonardo começou a sua vida numa zona rural da Toscana. Partindo destas origens humildes, o intelecto e capacidade artística de Leonardo elevaram-se nos céus como o cometa de Schopenhauer. O alcance das suas capacidades, os seus rasgos artísticos, o seu conhecimento de anatomia humana e as suas obras de engenharia prescientes são inigualáveis.
Os Legendary Cyphers, um grupo de rap freestyle, actuam nas noites de sexta-feira em Nova Iorque. O evento é motivado pela colaboração. Os artistas pronunciam palavras por turnos. Como qualquer tarefa criativa, o rap exige prática. “Se o fizermos vezes suficientes, é como um músculo”, explica Palladium Philoz, um dos membros do grupo.
O caminho de Leonardo até à genialidade começou na adolescência, com um estágio com o mestre Andrea del Verrocchio, em Florença.
A criatividade de Leonardo era tão expressiva que, durante a sua vida, encheu milhares de páginas nos seus cadernos de apontamentos, que transbordavam de estudos e desenhos, desde a ciência da óptica às suas famosas invenções, incluindo uma ponte giratória e uma máquina voadora. Apesar de todos os desafios, persistiu. “Os obstáculos não podem destruir-me”, escreveu. “Quem se fixa numa estrela não muda de ideias.” Leonardo também viveu num local (Florença) e numa época (o Renascimento Italiano) em que as artes eram cultivadas por patronos ricos e a inventividade andava pelas ruas, onde grandes mentes, incluindo Miguel Ângelo e Rafael, procuravam reconhecimento.
Leonardo adorava imaginar o impossível, os alvos que, usando as palavras de Schopenhauer, “os outros nem sequer conseguem ver”. Actualmente, um grupo internacional de académicos e cientistas comprometeu-se com uma missão parecida e o seu tema é igualmente esquivo: o próprio Leonardo.
Ao longo da história, mentes brilhantes afluíram a núcleos de criatividade como Silicon Valley, onde Wenzhao Lian, investigador da empresa de inteligência artificial Vicarious, ensina um robot a reconhecer e a manipular objectos. A empresa pretende desenvolver programas que imitem a capacidade cerebral de visão, linguagem e controlo motor.
O Projecto Leonardo procura compor a árvore genealógica do artista e examinar o seu DNA para descobrir mais sobre os seus antepassados e características físicas, para verificar a autenticidade de pinturas que lhe foram atribuídas e, mais notavelmente, para procurar pistas sobre o seu talento extraordinário.
O laboratório de antropologia molecular de David Caramelli, membro da equipa do projecto, na Universidade de Florença, situa-se num edifício do século XVI. Há dois anos, ele publicou análises genéticas preliminares de um esqueleto de Neanderthal. Agora, pretende aplicar técnicas semelhantes ao DNA de Leonardo, que a equipa espera extrair de alguma espécie de relíquia biológica — os ossos do artista, um fio do seu cabelo, células cutâneas deixadas nos seus quadros ou cadernos de apontamentos ou até saliva, que Leonardo pode ter usado na preparação de telas para os seus desenhos a ponta de prata.
Especialistas em genealogia procuram os parentes vivos do lado paterno de Leonardo para realizar esfregaços de mucosa bucal que Caramelli utilizará para identificar um marcador genético e confirmar a autenticidade do DNA de Leonardo.
Trata-se de um plano ambicioso, mas os membros da equipa estão a escavar os seus alicerces com optimismo. Especialistas em genealogia procuram os parentes vivos do lado paterno de Leonardo para realizar esfregaços de mucosa bucal que Caramelli utilizará para identificar um marcador genético e confirmar a autenticidade do DNA de Leonardo, caso o encontrem. Especialistas em antropologia física tentam obter acesso ao restos mortais que se supõe pertencerem a Leonardo no Castelo de Amboise, no vale do Loire, em França, onde foi sepultado em 1519. Historiadores de arte e especialistas em genética, incluindo especialistas do Instituto J. Craig Venter, pioneiro na investigação do genoma, estão a realizar experiências para obtenção de DNA a partir de óleos e documentos frágeis datados do Renascimento. “As rodas começam a girar”, anuncia Jesse Ausubel, vice-presidente da Fundação Richard Lounsbery e cientista da Universidade Rockefeller, que coordena o projecto.
Um dos primeiros objectivos do grupo é explorar a possibilidade de a genialidade de Leonardo não derivar apenas do seu intelecto, criatividade e ambiente cultural, mas também dos seus exemplares poderes de percepção. “Tal como Mozart pode ter tido uma audição extraordinária, Leonardo parece ter tido uma acuidade visual extraordinária”, diz Jesse Ausubel. Alguns componentes genéticos da visão estão bem identificados, incluindo os genes dos pigmentos verdes e vermelhos da visão a cores, localizados no cromossoma X. Thomas Sakmar, especialista em neurociência sensorial da Universidade Rockefeller, acredita que é concebível que os cientistas explorem essas regiões do genoma para averiguarem se Leonardo possuía variações singulares capazes de alterar a sua paleta cromática, permitindo-lhe ver mais tons de verde ou vermelho do que a maioria das pessoas.
As fórmulas do matemático Terence Tao sobre dinâmica de fluidos estão no quadro atrás dele. Aclamado pela “inventividade sobrenatural”, Tao conquistou a prestigiada Medalha Fields em 2006, mas rejeita noções altivas de genialidade. O que interessa, diz, é “o trabalho árduo, conduzido por intuição, literatura e uma pitada de sorte”.
O Projecto Leonardo ainda não sabe onde procurar respostas para outras perguntas, como a explicação para a fabulosa capacidade de Leonardo para visualizar o voo das aves. “É como se ele criasse fotografias estroboscópicas com a imagem congelada”, diz Thomas Sakmar. A equipa deste especialista concebe o seu trabalho como o início de uma expedição que a conduzirá a novos caminhos à medida que o DNA desvendar estes segredos.
A demanda pelas origens da genialidade pode nunca alcançar o seu destino. À semelhança do que acontece com o universo, os seus mistérios continuarão a desafiar-nos, mesmo quando tentarmos alcançar as estrelas. Há quem pense que é mesmo assim que deve ser. “Eu não quero perceber tudo”, responde Keith Jarrett quando lhe pergunto se tem curiosidade sobre o processo criativo associado à sua música. No final, talvez a viagem nos ilumine o suficiente. E o conhecimento daí resultante sobre o cérebro, os nossos genes e a maneira como pensamos poderá alimentar centelhas de genialidade não apenas num indivíduo raro, mas em todos nós.
IDADE E FEITOS
Gráfico Oliver Uberti. Consultor: Dean Keith Simonton, Professor Emérito, Universdade da Califórnia. Fonte: Age and Achievement, de Harvey C. Lehma.
Acha que já ultrapassou o seu apogeu? Depende do que quiser alcançar. Em 1953, o psicólogo Harvey Lehman publicou aquele que continua a ser o mais abrangente estudo sobre a idade e as realizações pessoais. Recorrendo às obras mais citadas do seu tempo e da época de cada criador, ilustrou o momento mais provável para alcançar feitos notáveis consoante cada disciplina. Existem excepções: Giuseppe Verdi compôs “Aida” aos 58 anos, duas décadas após o expoente máximo dos grandes compositores de ópera. Lehman apresentou 16 factores para explicar o momento em que os feitos ocorrem, incluindo o declínio da saúde e da motivação à medida que envelhecemos.
O psicólogo Dean Keith Simonton, especialista em genialidade, continua a afirmar que o arco de uma carreira depende da disciplina escolhida e da precocidade com que a dominamos. Os poetas tendem a transformar ideias em obras concluídas mais depressa do que os romancistas. Os génios aprendem mais depressa em áreas específicas. “As diferenças individuais esbatem a importância da idade”, escreveu. “Um génio de primeira categoria com 80 anos vale mais do que um talento de segunda com metade dessa idade”.