A médica Zoanne Clack é produtora-executiva da série da ABC Anatomia de Grey e uma das suas guionistas desde a temporada de estreia em 2005. É também consultora de todos os médicos da série. Zoanne Clack especializou-se em medicina de urgência e concluiu um mestrado em Saúde Pública. Passou um ano nos Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, trabalhando com situações de emergência internacional. Tem um filho e duas filhas gémeas.
Pratico medicina de emergência desde meados da década de 1990 e já tratei todo o tipo de doentes: novos e velhos, ricos e pobres, homens e mulheres. Também observei os acompanhantes destes doentes, nos seus esforços para lidarem com essas crises de saúde enquanto tratam dos seus compromissos laborais, familiares e financeiros. Esse fardo recai frequentemente sobre as mulheres, que fazem o trabalho de duas, três ou quatro pessoas para tratarem dos filhos, dos companheiros, dos pais e de outros entes queridos.
É um fenómeno global: segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, as mulheres de todo o mundo passam mais de 1,1 biliões de horas por ano a prestar cuidados gratuitos a crianças e idosos. Os homens despendem um terço desse tempo.
Na qualidade de produtora executiva do drama televisivo “Anatomia de Grey”, procuro introduzir o contributo destas mulheres nos guiões. Elas são mães, companheiras, esposas, irmãs, filhas, directoras executivas e secretárias. A mulher que acaba de ter um bebé acha que tem um ducto entupido e descobre, demasiado tarde, que tem cancro na mama. (1) A mulher que não quer admitir que foi violada por achar que vão considerá-la culpada por causa do sítio onde estava ou da roupa que trazia vestida.
1 - CANCRO DA MAMA
Conversão de células cancerígenas
Por vezes, as células do cancro da mama evitam os tratamentos médicos, afastando-se dos tumores densos e alterando a sua maquinaria interna. Tornam-se então semelhantes a células estaminais adultas e conseguem viajar pelo organismo, dando origem a novos tumores noutros locais. Utilizando em ratos fármacos
já existentes que atacam estes tumores transformados em células estaminais, uma equipa de investigadores de biomedicina redireccionou o seu desenvolvimento, de modo a transformá-los em células adiposas inofensivas.
O tratamento mostrou ter potencial “para travar a invasão tumoral e a sua progressão maligna”, escreveram cientistas da Universidade de Basileia na revista “Cancer Cell”. — Theresa MacheMer
São mulheres que têm uma doença terminal ou que precisam de um transplante de órgãos e que têm de revelar tudo às filhas. Mulheres que enfrentam a sua sexualidade sem rodeios, que engravidam em idades avançadas, que escolhem vias alternativas para a maternidade ou que decidem não ter filhos. Mulheres com tumores cerebrais, doenças mentais e depressão. Mulheres sem seguro de saúde e mulheres que poderiam comprar o mundo.
Escrevo sobre estas mulheres porque vejo estas mulheres. Porque eu sou estas mulheres. Estou firmemente presa na “geração sanduíche”: tomo conta da minha mãe, que está a envelhecer, e de três filhos pequenos. Trabalho a tempo inteiro. Tenho de gerir escolas, horários, actividades extracurriculares, baby-sitters, prazos, prestadores de cuidados e objectivos profissionais, enquanto tento ter uma vida social. Sou todas as mulheres. Somos multidões e encontramo-nos, frequentemente, assoberbadas e em silêncio.
Se este é o guião da vida de muitas mulheres, como conseguimos tratar da nossa saúde e bem-estar?
Há muitas falhas a apontar aos cuidados médicos, aos tratamentos, à investigação e ao apoio disponibilizados às mulheres que compõem metade da humanidade. No entanto, há também motivos para me sentir optimista, pois há descobertas e avanços que prometem mudanças sérias para as raparigas e as mulheres. Sinto-me frequentemente esperançosa quando nos vejo a falar abertamente do assunto, pois acredito que é esse o melhor passo para promover o bem-estar.
Precisamos que mais mulheres falem. Sobre os seus abortos espontâneos, sobre a infertilidade ou sobre os sustos de contracepção. Sobre cancros ou doença cardíaca. Sobre depressão. Ansiedade. O peso. Distúrbios alimentares. O consumo abusivo de álcool. O consumo abusivo de fármacos prescritos. Violência doméstica. O estigma associado a estas situações mantém muitas de nós em silêncio. No entanto, sem activismo, não haverá financiamento à investigação nem revisão das políticas públicas. Só se descobrirmos as nossas vozes é que poderemos fortalecer-nos e crescer juntas, para conseguirmos concretizar uma mudança saudável.
No meu papel de escritora, sou naturalmente uma contadora de histórias. Adapto as histórias de mulheres reais de modo a criar histórias para as personagens. Acredito que os bons médicos também precisam de ser bons contadores de histórias. Pratico aquilo a que se chama medicina narrativa, o que significa, essencialmente, o seguinte: ouvindo atentamente a história do doente, lendo a história contada pelo organismo do doente, uso ambas para compor uma narrativa para o diagnóstico e tratamento.
Vejamos a história de Meredith, por exemplo. A cirurgiã é uma viúva com três filhos pequenos que não só consegue conquistar prémios profissionais como passa tempo com os filhos. Frequentou a faculdade de medicina no início da década de 2000, quando nem sequer metade dos alunos que entravam para medicina eram mulheres. Em 2018, 52% dos inscritos eram mulheres – um progresso! Numa leitura mais vasta, em 2017, as mulheres concluíram 57% das licenciaturas, 59% dos mestrados e 53% dos doutoramentos nos Estados Unidos, segundo relatórios do Centro Nacional para as Estatísticas de Educação. Trata-se de um progresso significativo, uma vez que o elemento mais importante na melhoria dos cuidados de saúde é a formação de mulheres.
Apesar da formação avançada de Meredith (e de se apresentar com o título de doutora, vestir bata e usar visivelmente um estetoscópio), ela é regularmente tratada como enfermeira enquanto trata dos seus afazeres no hospital. E se houver um aluno de medicina na sala quando ela está a fazer as rondas, os pacientes costumam contar-lhes as histórias a ele e não a ela. Os estereótipos e os preconceitos são uma componente real da vida das mulheres e o preconceito de género é um problema sério na medicina.
Miranda é outro exemplo. É chefe de cirurgia no seu hospital. Vai no segundo casamento, porque o primeiro marido não compreendia as exigências do seu trabalho, problema comum entre as mulheres profissionais. Dirige-se a um hospital, queixando-se de sintomas não específicos, que costumam ser sinal de ataque cardíaco nas mulheres,(2) sintomas mais subtis do que os sentidos pelos homens, como dores na zona abdominal superior, tonturas ou cansaço invulgar. Miranda tem a certeza de que está a ter um ataque cardíaco. (Spoiler: está mesmo.) No entanto, quando as mulheres (sobretudo de cor) manifestam preocupações com a sua saúde e exigem que estas sejam investigadas, têm mais probabilidades de serem ignoradas, de não acreditarem nelas, ou até de serem silenciosamente troçadas pelos profissionais de saúde. Segundo a autora Leslie Jamison, cuja obra inclui o ensaio “Grand Unified Theory of Female Pain”, a dor feminina (3 )costuma ser “interpretada como inventada ou exagerada” e os sintomas femininos podem ser ignorados ou tratados de forma mais agressiva do que seriam num paciente masculino.
2. ATAQUE CARDÍACO
Género e reanimação
Quando as mulheres sofrem uma paragem cardíaca em lugares públicos, é menos provável que as pessoas à sua voltam tentem reanimá-las e é mais provável que morram, segundo um estudo realizado na Holanda e publicado no “European Heart Journal”. Uma das prováveis razões: quando vêem uma mulher desmaiar, as pessoas não percebem que ela está com uma paragem cardíaca (os batimentos cardíacos tornam-se rápidos e irregulares e depois param) e, por isso, não pedem ajuda nem usam o desfibrilhador para restaurar o ritmo normal. O resultado?
Os homens têm o dobro das probabilidades das mulheres de viverem durante tempo suficiente para conseguirem sair do hospital. — Patricia EdMonds
Esta atitude de menosprezo tem consequências não só para o tratamento das mulheres, mas também para a investigação médica que dará origem às curas do futuro. Em termos históricos, na profissão médica, os testes clínicos foram realizados com sujeitos masculinos. Estes eram considerados a “norma” e as suas reacções a um novo fármaco eram interpretadas como representativas das reacções de ambos os sexos. Mulheres em idade reprodutiva eram excluídas “por motivos de saúde”. O mesmo se aplicava às mulheres em geral para eliminar a possibilidade de as diferenças hormonais serem um factor na investigação. Em 2016, uma análise publicada numa revista de medicina concluiu que os ensaios clínicos estavam efectivamente a incluir mais mulheres, mas nem sempre em números representativos da população feminina. Também concluiu que a investigação nem sempre envolve “análises à segurança e eficácia específicas para cada género” de um produto.
3. MEDICAÇÃO PARA A DOR
Dor das mulheres menosprezada
Durante décadas, os estudos concluíam que as mulheres tinham mais probabilidades do que os homens de não receberem tratamento adequado para a dor.
1989: Investigação centrada num grupo dividido uniformemente entre homens e mulheres concluiu que nos três dias após serem submetidos a uma cirurgia de bypass coronário, os homens tinham o dobro das probabilidades de serem medicados com narcóticos para as dores.
1996: Um estudo de 20 meses realizado numa urgência hospitalar concluiu que, entre as pessoas que se queixavam de dores agudas no peito, as mulheres tinham menos probabilidades de serem admitidas do que os homens e de serem submetidas a um teste de esforço numa consulta de acompanhamento. 2008: Uma investigação realizada num serviço de urgência concluiu que quando os doentes se queixavam de dor abdominal aguda, os homens esperavam uma média de 49 minutos até serem medicados com um analgésico e as mulheres 65 minutos. — PE
Precisamos de investigação especificamente orientada para a saúde feminina, capaz de abordar diferenças biológicas e discrepâncias (4) nos resultados entre mulheres e homens. As mulheres têm mais probabilidades de serem diagnosticadas com doenças crónicas e/ou doenças auto-imunes. A doença arterial coronária causa deficiências mais graves e mais mortes nas mulheres do que nos homens. Aparentemente, chegam mais fármacos e produtos novos para beneficiar as mulheres, mas alguns prejudicam-nas.(5) Isto sugere que é necessário fazer muito mais investigação e ensaios, com as mulheres no papel de sujeitos e também participando no processo de tomada de decisão.
4. SAUDE E SEGURANÇA
Os efeitos dos fármacos diferem
Alguns fármacos mais comuns da actualidade produzem diferentes efeitos, principais e secundários, nas mulheres e nos homens, uma variabilidade nem sempre levada em consideração por quem os prescreve nem comunicada aos doentes. Os norte-americanos utilizavam um fármaco popular para dormir denominado zolpidem há mais de 20 anos quando a Agência Norte-Americana para os Fármacos e Alimentação anunciou, em 2013, que a dose recomendada para ambos os sexos era o dobro daquela que as mulheres deveriam tomar. Do mesmo modo, investigações revelaram que as mulheres correm 1,5 a 1,7 mais riscos de sofrer reacções adversas do que os homens. Por exemplo, a insuficiência hepática causada por acetaminofeno (a substância activa do analgésico de venda livre Tylenol) é mais frequente e mais grave nas mulheres do que nos homens, porque o fígado do homem tem maior capacidade para metabolizar o acetaminofeno em segurança. —PE, TM
No caso de algumas raparigas e mulheres que se apresentam na urgência hospitalar, os médicos encontram problemas de saúde tratáveis, mas as crises sociais e culturais que complicam as vidas destas pacientes parecem desafiar a resolução dos seus problemas.
5. SAÚDE E SEGURANÇA
Método de controlo de natalidade proibido
Quase 47 milhões de mulheres norte-americanas, de idade compreendida entre os 15 e os 49 anos, usam métodos contraceptivos, mas nem todos os que têm à sua disposição são fiáveis ou seguros. Em 2002, a FDA aprovou um produto permanente para o controlo da natalidade chamado Essure, um dispositivo metálico que é inserido nas trompas de Falópio, onde o corpo o cobre com tecido cicatrizado. Passados cerca de três meses, isto cria um bloqueio permanente, impedindo a passagem do óvulo do ovário para o útero. A FDA recebeu mais de 26 mil relatórios sobre efeitos secundários atribuídos ao Essure, incluindo dor pélvica, reacções alérgicas ao níquel, quebra do dispositivo e gravidez. No final de 2018, a utilização do Essure foi considerada um factor possível na morte de 15 mulheres.
O produto deixou de ser comercializado nos EUA em Dezembro de 2018. Está a ser realizado um estudo sobre os seus efeitos a longo prazo. —TM
Jo tem tanto medo do seu passado que fugiu dele, mudou de nome e disfarçou a sua identidade. Ela era vítima de violência pelo seu parceiro íntimo e o caso era tão grave que levou à sua hospitalização regular. Nas urgências, vêem-se bastantes vítimas de violência doméstica, algumas com hematomas e ossos partidos, outras com cicatrizes invisíveis. Mas Jo não é uma paciente: é uma médica do quadro do hospital. Ela desmente o equívoco comum de que a violência doméstica ocorre sobretudo em lares pobres e entre pessoas com baixas habilitações literárias. Na verdade, em todo o mundo, a violência doméstica é a principal causa das lesões sofridas por mulheres, mais do que acidentes, assaltos ou ataques por estranhos.
Nadia é uma menina de 10 anos que aparece à porta das urgências de um hospital, sozinha e aparentemente com dores, quando uma estranha avisa os médicos. Um exame revela que ela tem um tumor abdominal de grandes dimensões que precisa de uma cirurgia de urgência. O pessoal hospitalar está prestes a chamar os serviços de protecção de menores quando a “estranha” confessa: é a mãe de Nadia e tem medo de se apresentar porque não tem documentos. Foi também por medo de ser deportada que esperou tanto para levar Nadia a ser examinada. Devido a esse atraso, a cirurgia é muito mais exigente do que teriam sido os cuidados médicos preventivos.
Não há soluções simples para as actuais crises de imigração. Sem acesso a cuidados de medicina preventiva, os residentes ilegais nos EUA apresentam todas as suas necessidades aos serviços de urgência, onde os doentes sem seguro de saúde custam cerca de 34 mil milhões de euros por ano mais do que custariam caso fossem acompanhados fora do contexto da urgência.
Os doentes sem seguro de saúde não têm acesso a cuidados de saúde e o risco de uma mulher não ter seguro aumenta se ela tiver um rendimento baixo ou for de origem hispânica/latina. As mulheres que vivem em comunidades rurais têm mais probabilidades de sofrer problemas de saúde do que mulheres de outros enquadramentos geográficos. Têm acesso limitado a mamografias, entre outros exames, e cuidados maternos porque apenas 6% dos ginecologistas e obstetras trabalham em zonas rurais.
Nos Estados Unidos, também é mais provável que uma mulher tenha seguro de saúde como dependente do que um homem, correndo por conseguinte maior risco de perder a cobertura caso fique viúva ou se divorcie, ou o titular do seguro, o seu esposo ou companheiro, fique desempregado. Por estas e outras razões, cerca de uma em cada quatro mulheres norte-americanas teve de adiar ou prescindir de cuidados de saúde no ano passado devido aos custos, segundo as conclusões do Censo Kaiser de Saúde Feminina.
Em matéria de bem-estar, as mulheres debatem-se com uma variável que não afecta os homens: um sistema reprodutivo concebido para gerar descendência. Quer tenham ou não filhos, a maioria das mulheres está equipada para fazê-lo durante uma parte da sua vida. Isso pode transformar-se numa bênção, num fardo, num tema político ou numa questão social, dependendo das circunstâncias. Em última análise, é a mais pessoal de todas as questões da saúde.
Arizona é uma cirurgiã pediátrica que adora crianças e quer ter filhos com a sua esposa do mesmo género. Felizmente para elas e para pessoas solteiras ou casais que precisam de ajuda para conceber, existem opções, incluindo barrigas de aluguer, doação de embriões, doação de óvulos e doação de esperma. Arizona e a sua companheira optam pela doação de esperma. Ela é submetida a uma IIU (inseminação intra-uterina) e fica extasiada quando o teste de gravidez é positivo. Infelizmente, quando faz a primeira ecografia, não há batimento cardíaco.
A infertilidade (6) afecta cerca de 10% das mulheres norte-americanas entre os 15 e os 44 anos (cerca de 6,1 milhões de mulheres), segundo os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC). Mas há boas notícias: a maioria dos casos de infertilidade pode ser tratada com terapias convencionais, como cirurgia ou medicação (e apenas 3% obrigam a recorrer a fertilização in vitro, ou FIV). Comparados com os valores de décadas passadas, há agora mais esperança.
6. INFERTILIDADE
Factores que afectam a fertilidade masculina
Se uma mulher não conseguir engravidar após um ano de tentativas, ela e o parceiro poderão ter problemas de fertilidade. Nos EUA, cerca de 8% dos casos de infertilidade são causados apenas pelo factor masculino. Os factores de risco da infertilidade masculina incluem obesidade e abuso de substâncias, mas alguns riscos não dependem do controlo do indivíduo. Um estudo realizado na Suécia concluiu que homens com pais fumadores tinham uma contagem de esperma 50% inferior à dos homens com pais não-fumadores. E embora os homens possam evitar as temperaturas elevadas das banheiras cheias de água quente, as alterações climáticas também comportam riscos. Um estudo com escaravelhos, realizado em 2018, concluiu que uma única vaga de calor diminuíra a produção de esperma em cerca de 75%, mas as fêmeas não foram afectadas. — TM
E as mulheres que ainda não querem ter filhos? Ou que nunca vão querer? Cristina é o tipo de pessoa implacável que proclama “não ter filhos por opção. Mesmo quando estava casada com um homem que a amava e queria um filho, ela manteve-se fiel a si própria. Representa a vaga crescente de mulheres que, por vários motivos, escolhem não ter filhos, uma decisão tão válida como a oposta.
Depois, há as mulheres que adiam porque querem ter uma carreira antes dos filhos ou por outras razões. O meu conselho para elas: olhem para aquilo que a actual geração de mulheres profissionais mais velhas passou. As mulheres que esperam demasiado tempo têm muito mais dificuldades em engravidar (e custa-lhes muito mais caro – o custo médio de um único tratamento de FIV ronda 10.800 euros). Mesmo com a minha formação médica, olhei para as estatísticas da concepção e pensei que, num certo sentido, não se aplicavam a mim. Eu seria, certamente, como as pessoas da comunicação social ou as personagens televisivas para as quais escrevo, que engravidam quando querem, independentemente da sua idade. Sabem que mais? Opinião errada!
A verdade é a seguinte: os melhores anos reprodutivos são entre os 20 e os 29. A fertilidade diminui gradualmente a partir dos 30, bem como a qualidade e quantidade dos óvulos. Em cada mês que tenta engravidar, uma mulher saudável e fértil com 30 anos tem 20% de possibilidades de consegui-lo. Aos 40 anos, as probabilidades são inferiores a 5%.
É por esta razão que defendo tão ferozmente a preservação da fertilidade (7) através do congelamento de óvulos ou embriões, para evitar gestos de “maternidade de pânico” como alimentar relações insensatas só para ter um filho. Izzie, uma residente de cirurgia que luta contra um melanoma na fase 4, procede à recolha de óvulos para preservar a sua fertilidade no futuro, caso sobreviva aos tratamentos. Outras pessoas usam esta tecnologia em circunstâncias menos terríveis. Sim, os congelamentos de óvulos e embriões são processos caros e não garantem nada, mas oferecem uma escolha. Pense neles como investimentos no seu futuro!
7. TECNOLOGIA
Ferramentas da “femtech” e escolhas relacionadas com a gravidez
Para mulheres que se debatam com problemas de infertilidade, ou de maternidade, uma incipiente indústria “femtech” está a desenvolver novos dispositivos e serviços. Aplicações informáticas e monitores portáteis vigiam o período fértil da mulher ou, quando está grávida, o desenvolvimento do feto.
Uma empresa oferece planos clínicos e financeiros a pacientes que escolhem fazer FIV ou congelar óvulos. Cada vez mais, os futuros progenitores pedem para os embriões, ou gâmetas, serem testados a fim de detectar anomalias cromossomáticas, antes de decidirem se querem utilizá-los. Num estudo britânico publicado no ano passado na revista “Human Reproduction”, cerca de um terço dos pacientes que quiseram fazer os testes mostraram-se arrependidos por os terem feito, sobretudo quando foram descobertas anomalias. Os autores do estudo sugeriram que fosse fornecido “aconselhamento e apoio adicional” juntamente com os testes. —PE
Para quem tem vontade e programou tudo bem, há a alegria da gravidez e do nascimento. No entanto, até esses tempos felizes podem ser assustadores. Karen é uma mulher excêntrica, casada com o amor da sua vida, um paramédico que corre para o seu lado quando ela entra em trabalho de parto. Ele chega a tempo de assistir ao nascimento da filha e é um dia feliz para todos até Karen sentir uma dor que indica algo de errado. Começa a sangrar profusamente e é levada para o bloco operatório, onde os médicos fazem uma histerectomia. Após a cirurgia, sofre falência múltipla de órgãos e tem uma paragem cardíaca, da qual não recupera. Karen morre devido a pré-eclâmpsia, uma condição causada por tensão arterial alta que pode ser tratada caso seja diagnosticada a tempo.
As estatísticas da mortalidade materna mostram a fracção das mortes de mulheres entre os 15 e os 49 anos, uma faixa etária relacionada com a maternidade. Entre 2000 e 2017, a mortalidade materna diminuiu significativamente em todo o mundo, mas aumentou nos Estados Unidos. Muitos elementos contribuem para este aumento, entre os quais a obesidade, as doenças crónicas, os factores socioeconómicos, o acesso a cuidados de saúde e os partos em idades mais avançadas. Mesmo assim, os CDC estimam que cerca de 60% das mortes maternas podem ser prevenidas. E entre mulheres brancas e mulheres de cor há uma discrepância enorme: a probabilidade de as mulheres negras morrerem de complicações relacionadas com a gravidez ou o parto é três a quatro vezes superior.
O nosso sistema de saúde fez um trabalho magnífico na protecção e melhoria dos resultados de recém-nascidos e bebés prematuros, mas conseguiu-o à custa de ignorar as mães. Em 2018, o Congresso deu um passo na direcção certa, aprovando legislação para financiar e apoiar os esforços do Estado para diminuir a mortalidade materna.
Da mesma maneira que são fundamentais quando há vidas novas a chegar ao mundo, as mulheres são guardiãs e âncoras quando há vidas longas a chegar ao fim. As mulheres tendem a viver mais do que os homens (há duas vezes mais mulheres acima dos 85 anos do que homens). Muitas estão duplamente expostas a problemas de saúde porque tomam conta dos mais novos e dos mais velhos, além de si próprias. Ellis é uma cirurgiã galardoada, inteligente e motivada no auge da sua carreira quando lhe é diagnosticada uma demência inicial derivada da doença de Alzheimer (8) Isto arruína-lhe a carreira e acaba por conduzir ao fim da sua vida. A doença de Alzheimer afecta as mulheres de forma desproporcional, a dois níveis. Quase dois terços dos adultos diagnosticados com mais de 65 anos são mulheres; e dos mais de 16 milhões de norte-americanos que prestam cuidados de saúde não remunerados a um paciente com doença de Alzheimer, ou outras formas de demência, 66% são mulheres.
8. DOENÇA DE ALZHEIMER
Diferenças da demência
Há quase duas vezes mais mulheres do que homens com doença de Alzheimer nos EUA e os cientistas estão a desvendar os factores subjacentes a esta disparidade. O estilo de vida poderá ser relevante. As mulheres que tiveram trabalhos remunerados exibem menos declínio da memória do que as que não tiveram, mas também há diferenças a nível fisiológico. Os testes cognitivos utilizados para detectar a doença numa fase inicial são menos eficazes em mulheres porque elas tendem a ter melhor memória verbal do que os homens e a detecção tardia da doença pode resultar num declínio cognitivo mais rápido. Também existem diferentes factores de risco genéticos em homens e mulheres. Além disso, se compararmos os cérebros de mulheres e homens, as ligações dos cérebros das mulheres podem oferecer vias para uma disseminação mais rápida das placas de proteína. —TM
À medida que a proporção de norte-americanos de idade superior a 65 anos aumenta, isso significa, quase seguramente, que haverá mais mulheres com Alzheimer e menos mulheres a prestarem cuidados. Isto é mais uma razão para examinarmos, com seriedade e de imediato, as nossas abordagens à saúde e ao bem-estar, investindo nas melhorias necessárias.
Em 2015, os estados-membros das Nações Unidas concordaram em fazer uma tentativa no sentido de prestar cuidados de saúde essenciais a todas as crianças homens e mulheres até 2030. Actualmente, ainda estamos longe da meta, pois há centenas de milhões de pessoas que não têm cuidados de saúde disponíveis ou dinheiro para pagá-los. Cada um de nós pode começar por defender aquilo de que precisa, a nível pessoal, e aquilo de que a sua família, comunidade ou país precisam para viver com saúde e bem-estar.
Em “Anatomia de Grey”, há algumas temporadas, Meredith Grey – a Meredith que mencionei anteriormente – escapa por pouco a um ataque brutal. Quando recupera, dá conselhos valiosos sobre a importância de nos fazermos ouvir. Serão suas as últimas palavras deste artigo:
“Não deixes que o medo te mantenha em silêncio. Tens uma voz, por isso usa-a. Fala. Ergue as mãos. Grita as tuas respostas. Faz-te ouvir.”