Susan Goldberg: Vamos conversar sobre... cocó! Ao prepararmos a reportagem sobre saneamento básico que publicamos nesta edição, tornou-se evidente que se trata de um tema difícil de abordar para imensas pessoas.
MD: Sim. Se falarmos de um tema como o cancro ou a Sida, mesmo em países em vias de desenvolvimento, a população do mundo desenvolvido compreende-o e estabelece empatia com ele. Todos temos pessoas conhecidas que lutaram contra uma dessas doenças. Mas neste tema não nos revemos. Talvez tenhamos histórias de avós ou bisavós que tinham casas de banho exteriores ou primárias, mas este é um problema que em grande parte está resolvido no mundo desenvolvido. Não conseguimos identificar-nos com algo como defecar ao ar livre, um enorme problema em países em vias de desenvolvimento.

SG: Um dos objectivos da reportagem era mostrar o impacte da falta de saneamento básico. Talvez depois disto seja possível discutir os temas relacionados com o saneamento básico.
MD: É difícil assimilar a dimensão gigantesca do problema: 2,4 mil milhões de indivíduos não têm acesso a saneamento básico. Há mais pessoas no mundo com um telemóvel do que com casa-de-banho. A cada 90 segundos, uma criança com idade inferior a 5 anos perde um rim por falta de acesso a água potável e saneamento básico. Na verdade as duas questões estão intimamente ligadas.

SG: Então o que se pode fazer?
MD: O primeiro obstáculo a eliminar é a assimilação da dimensão do problema; o segundo é tentar facilitar a discussão. Podemos usar o humor. Pensámos em filmar um anúncio numa casa fabulosa de uma celebridade de Hollywood: eu pedia para usar a casa de banho e dir-me-iam “Oh, não, nós não temos casa de banho, nós defecamos ao ar livre.”

SG: Tinha alguma celebridade em mente?
MD: Pensei que seria divertido filmar na casa do Jimmy Kimmel. [Nota do editor: Esta tirada deu origem a gargalhadas porque há quase uma década que Damon e o apresentador Jimmy Kimmel pregam partidas um ao outro e fingem estar em guerra.]

SG: O mundo está repleto de causas importantes e de desafios nos quais poderia gastar o seu tempo, energia e dinheiro. Por que motivo escolheu esta missão?
MD: Estabeleci uma parceria com Gary White [engenheiro e empreendedor social] e fundámos em conjunto a water.org. Usamos na prática os conceitos do microcrédito direccionando-os para a água e o saneamento básico: fornecemos empréstimos para que as pessoas se liguem a um sistema de tratamento de águas ou possam construir uma latrina em casa. Já alcançámos 5,5 milhões de pessoas, e vamos alcançar [mais] 2,5 milhões só este ano.

SG: Um dos aspectos que o nosso jornalista detectou enquanto trabalhava nesta reportagem traduzia-se nas imensas inibições culturais: em vários pontos do mundo, as pessoas diziam-lhe que gostavam de ir para a rua. Achavam mais higiénico sair de casa e ir para o campo.
MD: Sim, se não tiver canalização para transportar os resíduos, isso é verdade. Se for à Índia, encontrará campos gigantes onde toda a comunidade defeca ao ar livre. Mas isso está a mudar, e a mudar muito rapidamente, penso que em grande parte por causa dos jovens.”

SG: É interessante mencionar os jovens. Um dos locais onde recolhemos informação para a reportagem foi o Vietname e o problema parece estar em vias de resolução porque as crianças vão à escola e há casas de banho na escola. E elas regressam a casa e aconselham os pais a modificar um hábito cultural.
MD: Sim, certo, é mesmo isso.

SG: A Organização das Nações Unidas projectou o objectivo de até 2030 eliminar a defecação ao ar livre. Acredita que existe alguma maneira de nos aproximarmos disso?
MD: Definitivamente até 2030.

SG: Faltam apenas 13 anos.
MD: Eu sei. Mas está a acontecer rapidamente.

SG: Mencionou que, ao desenvolver este trabalho, ouve histórias comoventes. Que tipo de coisas lhe contam as pessoas?
MD: Encontrei uma menina de 13 anos, e a minha filha mais velha tinha 13 na época. Liguei-me a essa criança. Foi no Haiti e nós ajudámos a trazer água para aquela aldeia que não a tinha. E essa menina de 13 anos já não precisava de procurar água durante três a quatro horas todos os dias. Perguntei-lhe: “O que vais fazer com todo esse tempo extra? Ficas com mais tempo para os trabalhos de casa?” E ela olhou para mim e disse- -me: “Eu não preciso de mais tempo para os trabalhos de casa. Sou a criança mais inteligente da minha classe.” Eu sabia que ela estava a dizer a verdade e provoquei-a: “Muito bem, espertalhona, o que vais fazer com esse tempo de sobra?” Ela olhou para mim e respondeu: “Vou brincar.” A resposta comoveu-me porque as crianças não deveriam estar sobrecarregadas com tarefas. Essas crianças deveriam estar a brincar. É nisso que os nossos filhos pensam e é nisso que estas crianças deveriam pensar.

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