Passou-se meio século desde que os seres humanos chegaram à Lua, mas as rochas lunares que recolheram ainda estão a revelar informações importantes sobre este nosso vizinho, que brilha palidamente sobre a Terra. Parte deste material foi preservado durante décadas para poder ser estudado com instrumentos científicos mais avançados – e, agora, material lunar recolhido em 1972 demonstrou que a Lua é milhões de anos mais velha do que se pensava.

Ao estudar as pistas atómicas retidas num cristal de zircão, um dos minerais mais antigos a sobreviver à formação da Lua, os cientistas determinaram que esta tem pelo menos 4.460 milhões de anos. Esta idade, divulgada recentemente na revista Geochemical Perspectives Letters, faz as medições prévias recuarem 40 milhões de anos – aproximando-se mais do início do sistema solar, formado há uns estimados 4.570 milhões de anos.

Identificar a idade da Lua pode ajudar os cientistas a documentar a sequência de eventos ocorrida durante os seus primeiros dias. “O tempo é tudo”, diz a primeira autora do artigo, Jennika Greer, cosmoquímica da Universidade de Glasgow que trabalhou no projecto durante a sua licenciatura na Universidade de Chicago. “O nosso sistema solar já existe há muito tempo, mas a parte realmente dinâmica aconteceu nesses primeiros milhões de anos”.

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FOTOGRAFIA DE NASA

O cristal de zircão utilizado para descobrir a idade da Lua encontra-se numa amostra recolhida durante a missão Apollo 17, em Dezembro de 1972. Nesta imagem, captada durante a missão, o astronauta e geólogo Harrison Schmitt está coberto de poeira lunar.

Quando o sistema solar era novo, a jovem Terra não tinha a Lua: era um planeta solitário que orbitava o Sol primordial. No entanto, os primeiros dias da Terra foram tudo menos tranquilos. Os cientistas crêem que, no início da história do nosso planeta, um objecto do tamanho de Marte colidiu com a proto-Terra, reorganizando ambos os mundos.

O calor do impacto liquefez tudo – a jovem Terra e o destruidor planetário – fundindo os dois corpos num só. Esta massa libertou uma bola de rocha fundida mais pequena, que se fixou numa órbita estável e acabou por arrefecer, formando a Lua.

As entranhas da Lua congelaram, formando as camadas diferenciadas do manto e da crosta. Estes minerais cristalizaram a partir da rocha fundida e os zircões foram dos últimos a formar-se. Estes cristais captam as últimas fases da solidificação da Lua em rocha, assinalando o início do nosso satélite natural tal como hoje o conhecemos.

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JENNIKA GREER, UNIVERSIDADE DE GLASGOW

O grão de zircão lunar observado com um microscópio de varrimento electrónico.

Contando átomos

Os zircões são um dos minerais preferidos dos cientistas por serem resistentes. Estes cristais micrométricos podem suportar o desgaste ao longo de milhares de milhões de anos, preservando os segredos bioquímicos por detrás do seu nascimento. Também captam isótopos de urânio do ambiente à medida que se formam, que funcionam como um cronómetro que começa a contar o tempo a partir do momento em que os zircões cristalizam.

Os isótopos de urânio decaem, transformando-se em chumbo a velocidades previsíveis. Contando o número de átomos de chumbo que se formam e os átomos de urânio que permanecem, os investigadores conseguem perceber o tempo decorrido desde o endurecimento dos zircões a partir do material fundido.

Os autores do estudo analisaram zircões embutidos numa amostra de rocha lunar recolhida pela missão Apollo 17 em 1972 e construíram um mapa tridimensional dos átomos. A contagem dos isótopos de chumbo forneceu uma idade de 4.460 milhões de anos – a mais antiga para a formação da crosta lunar obtida até à data.

Esta idade já fora determinada por colaboradores de Greer, liderados por Bidong Zhang e Audrey Bouvier, em 2021, mas esse relatório fora recebido com cepticismo. Os seus críticos apontaram o facto de os átomos de chumbo tenderem a migrar e formarem bolsas com concentrações mais altas ou mais baixas no interior da rocha.

Dependendo de para onde olharmos, existe a possibilidade de encontrarmos essas bolsas de chumbo mal distribuídas e calcularmos erradamente a idade do zircão. Para eliminar estas preocupações, Bouvier pediu à equipa de Greer que contasse novamente os átomos, desta vez utilizando uma sonda de iões capaz de colher uma amostra de rocha com uma resolução espacial muito mais alta do que a utilizada no estudo anterior. Uma sonda mais minuciosa poderia permitir à equipa identificar zonas de nano-dimensão com átomos de chumbo enriquecidos ou esgotados – caso existissem. Não encontraram nenhum.

“Tudo era homogéneo neste zircão. Por isso, não tivemos de nos preocupar com isso”, diz Philipp Heck, autor do estudo e cosmoquímico do Field Museum e da Universidade de Chicago. O resultado confirmou que a idade anteriormente medida, 4.460 milhões de anos, estava correcta.

“É um estudo muito, muito bom”, diz Melanie Barboni, geoquímica da Universidade Estadual do Arizona, que não participou na investigação. Barboni estudou outros isótopos de zircões lunares e descobriu que as diferentes camadas interiores da Lua se formaram há 4.510 milhões de anos, antes das fases finais da formação da crosta demonstradas pelo novo estudo.

Barboni diz que o novo estudo é compatível com as suas próprias conclusões. “Muitos ensaios propõem que a Lua se formou muito mais tarde, há 4.300 milhões de anos, por exemplo”, acrescenta. “Ora, isso é claramente impossível com estes dados.”

A história da Terra e da Lua

Identificar o momento em que a Lua solidificou fornecerá aos futuros investigadores um ponto de referência para modelar a evolução do astro. “A cronologia ajuda-nos a contextualizar tudo”, diz Greer. “Depois, podemos começar a perceber os processos em curso.” Saber o que e quando aconteceu durante os anos formativos da Lua pode ajudar a explicar por que o satélite terrestre tem o seu aspecto actual.

O verdadeiro interesse do estudo da Lua reside naquilo que ela pode dizer-nos sobre a Terra. Sendo companheiros celestiais com uma origem em comum, os destinos da Terra e da Lua estão interligados. No entanto, tal como um bandido matreiro, a Terra, por ser geologicamente activa, tem tendência para enterrar e destruir provas de acontecimentos passados. A Lua é um parceiro menos enganador – a ausência de actividade tectónica faz com que os registos geológicos da sua superfície durem eternidades.

Os cientistas podem examinar as evidências lunares para inferir o que poderá ter acontecido na Terra por volta da mesma altura. Por exemplo, naquela fatídica colisão que formou a Lua, a Terra ficou inabitável – nada poderia ter sobrevivido é um evento tão catastrófico – e toda a sua água ter-se-á evaporado, diz Greer. Logo, a água deve ter regressado ao nosso planeta a dada altura, talvez trazida por asteróides que com ela colidiram e que também poderão ter deixado pistas na Lua.

Embora o novo estudo determine que a formação da Lua terminou, no mínimo, há 4.460 milhões de anos, o processo completo, desde a colisão planetária até à eventual solidificação, desenrolou-se ao longo de milénios. Os zircões são os últimos vestígios do oceano de magma lunar – o último capítulo do início violento da Lua e o início de uma época mais calma.

Heck e Barboni não ficariam surpreendidos se investigadores futuros encontrassem um zircão mais velho que fornecem uma idade ainda mais antiga para a Lua. Talvez exista um cristal mais antigo na colecção lunar da NASA, embora Heck diga que estes são raros. Ou talvez haja outros à espera de serem descobertos na Lua, em locais ainda não visitados pelo ser humano.

Estão a planear-se várias missões para trazer amostras lunares de sítios nunca explorados. Em 2024, a China lançará uma missão robótica que trará amostras do lado distante da Lua e a missão Artemis III, da NASA, espera colocar seres humanos no pólo sul lunar em Dezembro de 2025. As novas rochas recolhidas nestes locais poderão ajudar a aprimorar a história das origens da Lua.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.