Afinal, as baleias-azuis passam muito mais tempo nas águas dos Açores do que pensávamos, e o nosso entrevistado quis aproveitar essa descoberta para as conhecer melhor de perto. 

Colaborador de longa data da National Geographic, João Rodrigues (JR) esteve nos Açores durante duas Primaveras –  alojado na ilha do Faial três meses e a navegar em alto mar vinte dias – a registar a presença do maior animal do mundo na "área de serviço do Atlântico". Eis uma viagem pelos bastidores desta "missão", entre palavras e imagens inéditas que reportam um "desafio tremendo" mas superado. 

NG: Quais são as dificuldades de fotografar o maior animal da Terra em mar aberto?

JR: Fotografar o maior animal do planeta é um desafio tremendo – desde as incontáveis milhas navegadas ao tentar acompanhar os seus movimentos imprevisíveis, aos repetidos mergulhos em apneia, sempre na esperança de que a baleia-azul não se sinta incomodada com a minha presença. Sim, porque este animal colossal, capaz de atingir 30 metros de comprimento, consegue ser sensível ao ponto de alterar o seu rumo só para evitar cruzar-se com mergulhadores que se atravessem no seu caminho. A missão é exigente.  No entanto, o caso torna-se ainda mais complicado quando o local é o arquipélago dos Açores, e a estação do ano a Primavera. 

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João Rodrigues passou um total de três meses alojado na ilha do Faial e vinte dias a navegar em alto mar. Ao fundo, a ilha do Pico. 

"Durante as Primaveras de 2021 e 2022, passei três meses alojado na ilha do Faial e vinte dias a navegar em alto mar, Todos os que o estado do tempo e do mar permitiram. Desses 20 dias embarcado, apenas quatro foram proveitosos."

NG: Porquê?

Diria que fotografar baleias-azuis nos Açores durante a Primavera, quando o estado do tempo e do mar são muito instáveis, apresenta cinco desafios principais:

1. Condições meteorológicas imprevisíveis: No mesmo dia, as condições do tempo podem variar entre o ensolarado e o chuvoso, ou ventoso, numa questão de minutos, podendo afectar a visibilidade da água e por sua vez, a qualidade das imagens subaquáticas.

2. Mar agitado: Durante a Primavera, o mar nos Açores pode ficar bastante agitado devido a ventos fortes e correntes. Isso pode dificultar a estabilidade da câmara subaquática e a obtenção de imagens nítidas. Além disso, o movimento das ondas pode tornar mais desafiante acompanhar os cetáceos e enquadrar as fotos adequadamente.

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Fotografar baleias-azuis nos Açores durante a Primavera, quando o estado do tempo e do mar são muito instáveis, apresenta múltiplos desafios, entre eles a segurança do fotógrafo e o bem-estar dos cetáceos. 

3. Visibilidade reduzida: A instabilidade do mar e as condições meteorológicas podem afectar a visibilidade debaixo de água, resultando em água turva ou com sedimentos suspensos, prejudicando a qualidade das imagens e dificultando a captura de imagens nítidas. Para além disso, existe outra agravante. A presença de matéria orgânica e o aumento do krill nos Açores, durante a Primavera, que também afecta a visibilidade subaquática. 

"As condições do tempo podem variar entre o ensolarado e o chuvoso, ou ventoso, numa questão de minutos, podendo afectar a visibilidade da água."

4. Segurança: Fotografar em condições de mar instável requer atenção extra à segurança do fotógrafo e ao bem-estar dos cetáceos. É importante seguir as regulamentações de interacção com animais marinhos e garantir que as actividades de fotografia subaquática sejam realizadas com responsabilidade, mantendo uma distância segura e evitando qualquer perturbação aos animais.

5. Paciência e persistência: Durante as Primaveras de 2021 e 2022, passei um total de três meses alojado na ilha do Faial e vinte dias a navegar em alto mar. Todos os que o estado do tempo e do mar permitiram. Desses 20 dias embarcado, apenas quatro foram proveitosos. Ou seja, nestes dias aconteceu aquilo a que nós, fotógrafos de vida selvagem, chamamos de “encontros”. Momentos em que os animais se aproximam de tal forma que nos olham nos olhos, revelando a sua alma selvagem e permitindo documentar cada detalhe seu.

Apesar das dificuldades, a Primavera nos Açores oferece oportunidades únicas de fotografar baleias-azuis em cenários dramáticos. Com um planeamento rigoroso, equipamento adequado e uma equipa experiente, é possível superar esses desafios e capturar imagens impressionantes destes animais.

NG: Nunca se tinha fotografado com drone estas baleias nos Açores. Como conseguiste?

JR: Trabalho de equipa é definitivamente a resposta. Só através da cooperação em simultâneo entre quatro pessoas foi possível tal feito. [A saber:]

O vigia: No topo de uma colina e de binóculos afiados, o vigia desvenda os segredos do oceano, mapeando os caminhos das baleias durante os seus magníficos movimentos. Como um mensageiro dos mares, ele partilha com o resto da equipa, que se encontra embarcada, as preciosas informações sobre a localização das baleias, que nos conduzem ao seu encontro. É o elo entre a natureza e aqueles que pretendem entrar no seu íntimo.

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Vigia, skipper, assistente de câmara e fotógrafo. São estes os quatro elementos da equipa que trouxe para terra as imagens subaquáticas (e aéreas) que podemos ver na reportagem "Área de serviço no Atlântico", publicada na edição de Agosto da National Geographic. 

O skipper: Um membro fundamental responsável por conduzir a embarcação de forma segura e estratégica, navegando tanto em águas calmas como  tempestuosas, sempre em busca das majestosas criaturas marinhas. Em cada missão oceânica, fornece informações a toda a equipa sobre a localização das baleias, por vezes invisíveis aos olhos distantes dos vigias. Com uma subtileza soberba, consegue colocar-nos próximo dos animais, no momento ideal para criar fotografias originais. Uma proeza apenas possível devido ao seu vasto conhecimento e longa experiência no mar com estes animais.

"Com um planeamento rigoroso, equipamento adequado e uma equipa experiente, é possível superar esses desafios e capturar imagens impressionantes destes animais."

O assistente de câmara: Durante o voo do drone, o assistente é responsável por vigiar o voo, garantindo a sua segurança e estabilidade. Através de uma comunicação constante com o fotógrafo, dá indicações sobre a localização das baleias, as suas acções e comportamentos. Desta forma, o fotógrafo consegue antecipar alguns movimentos e capturar imagens impactantes. Em mares agitados, onde a probabilidade de respingos de água atingirem o drone e a câmara é maior, o assistente ajuda a proteger o equipamento, garantindo que as lentes permaneçam limpas e sem gotas de água que possam afectar a qualidade das imagens.

O fotógrafo: Por último, aquele que tem como responsabilidade aliar todos os contributos dos membros da equipa aos raros momentos de boa disposição das baleias-azuis para sessões fotográficas e pressionar o botão do obturador, o maior número de vezes possível, até que a magia aconteça.

NG: Parece incrível, mas até 2009 quase não sabíamos nada sobre o comportamento destes animais no Atlântico. O que aprendeste com esta investigação?

Através desta investigação, foi possível mapear as rotas de migração das baleias-azuis no Atlântico. Descobriu-se que elas viajam longas distâncias entre áreas de alimentação e áreas de reprodução, passando por diferentes regiões ao longo do ano. Foi possível confirmar a presença das baleias-azuis nos Açores durante praticamente todos os meses do ano, ao contrário do que se pensava, e entender melhor os seus padrões de migração na região.

A investigação revelou que as baleias-azuis no Atlântico produzem vocalizações complexas para comunicar. Essas vocalizações são únicas para cada indivíduo e podem ser utilizadas para identificação e reconhecimento mútuo.

"A investigação contínua nesta área é fundamental para a conservação destas magníficas criaturas e para a protecção dos seus habitats marinhos."

Fred BuyleFix
Fred Buyle

 

A investigação contribuiu para um melhor entendimento da ecologia das baleias-azuis no Atlântico, incluindo a sua interação com o ambiente marinho, o que nos permitiu compreender como é que elas respondem às mudanças de disponibilidade de alimento, temperatura da água e outros factores ambientais.

Por último, as várias descobertas científicas, ajudaram a identificar áreas críticas para a sobrevivência do maior animal do planeta, assim como as ameaças que enfrentam, como colisões com navios e alterações climáticas. A investigação contínua nesta área é fundamental para a conservação destas magníficas criaturas e para a protecção dos seus habitats marinhos.

Esta entrevista complementa a leitura da fotorreportagem "Área de serviço do Atlântico", publicada originalmente na edição de Agosto de 2023 da revista National Geographic.