Um novo estudo sugere que o enorme vulcão do Monte Olimpo, em Marte – um dos picos mais altos do sistema solar – poderá ter-se erguido sobre o oceano marciano num passado distante.

A investigação identificou uma escarpa no sopé do gigantesco vulcão que parece semelhante às que existem nas ilhas vulcânicas da Terra, como no Hawai e nos Açores. Estas características formam-se quando a lava derretida escorre para o oceano e os investigadores defendem que o Monte Olimpo poderá ter formado uma ilha vulcânica há cerca de 3.800 milhões de anos.

O Hawai e o Monte Olimpo têm “uma morfologia semelhante, mas o Monte Olimpo é muito maior”, diz o vulcanólogo Anthony Hildenbrand do Centro Nacional Francês para a Investigação Científica. “O Monte Olimpo tem, sozinho, mais do que o volume total de toda a cordilheira de ilhas do Hawai.”

Hildenbrand é o autor principal do estudo que foi recentemente publicado em Earth and Planetary Science Letters. Para além da escarpa do Monte Olimpo, Hildenbrand e os seus colegas identificaram vestígios de uma escarpa semelhante noutro vulcão marciano, Alba Mons, situado cerca de 1.600 quilómetros a Nordeste – que também sugerem ter sido formado por um fluxo de lava quente derramado no mar.

No entanto, as suas afirmações são questionadas por outros especialistas que sugerem que as escarpas também poderão ter sido criadas por fluxos de lava que não entraram em contacto com a água, formando socalcos demasiado altos para serem orlas costeiras antigas.

Para resolver este problema, os autores sugerem que foram, em tempos, orlas costeiras de lava, tendo sido elevadas até à sua altitude actual pela actividade vulcânica. No entanto, o cientista planetário e geofísico Patrick McGovern, do Lunar and Planetary Institute, em Houston, que não participou no estudo, diz que os veículos orbitais da NASA não encontraram quaisquer indícios neste sentido.

“Esse tipo de coisa teria deixado um indício considerável no campo gravitacional e não consigo identificá-lo nos dados do campo gravitacional de que dispomos”, afirma.

Um enorme vulcão marciano

O Monte Olimpo cobre actualmente uma área com o tamanho  superior a três Portugais. Os cientistas crêem que a sua grande dimensão se deve ao facto de a gravidade em Marte ser apenas cerca de um terço da terrestre e a pluma vulcânica que o criou ter permanecido muito activa durante uma eternidade. Marte não tem placas tectónicas que pudessem ter afastado a montanha desta fonte de magma, o que lhe permitiu crescer continuamente.

O vulcão nunca foi visto em erupção, mas estudos sugerem que poderá ter ocorrido uma há apenas dois milhões de anos – o que sugere que poderá entrar em erupção novamente.

Visto de cima, o Monte Olimpo é aproximadamente circular, com vastas crateras sobrepostas, vestígios de antigas caldeiras visíveis no seu cume – um vulcão-escudo formado por camadas de lava, à semelhança de muitas das ilhas vulcânicas da Terra. A escarpa em redor do seu sopé é claramente visível a Noroeste e a Sudeste da montanha, onde a encosta desce subitamente ao longo de vários quilómetros.

“Uma vista aérea do topo do Monte Olimpo mostra que as escarpas são côncavas em direcção ao centro”, diz Hildenbrand. “E as variações acentuadas da encosta, de cerca de 15 graus, são altamente compatíveis com aquilo que observamos em redor das ilhas vulcânicas terrestres.”

Hildenbrand diz que aquilo que foi interpretado como orlas costeiras ancestrais nas terras altas do Norte poderá ser uma prova da existência de um oceano num passado distante ou talvez de dois oceanos em alturas diferentes: o primeiro há cerca de 3.800 milhões de anos e outro há 3.000 milhões de anos.

No entanto, outros especialistas mostram-se cépticos em relação a esta ideia. As escarpas do Monte Olimpo estendiam se aproximadamente 6,5 quilómetros sobre as planícies em redor – cerca do dobro da profundidade máxima estimada do oceano ancestral que se pensa ter outrora coberto o hemisfério norte de Marte, onde se encontra o vulcão.

A geóloga Julia Morgan, da Rice University, em Houston, que estuda a evolução de ilhas vulcânicas como o Hawai, diz que as escarpas poderão ser “bancos” de lava que se desenvolveram nos flancos inferiores dos vulcões devido ao seu alargamento à medida que cresciam, não estando relacionadas com a existência de quaisquer orlas costeiras.

 

Paisagens marcianas em mudança

Os autores do estudo sugerem que as escarpas se formaram ao nível do mar quando o Monte Olimpo era mais baixo do que é hoje e que a sua altura actual foi causada por uma elevação vulcânica.

“Não estamos a dizer que existia um oceano global com 6.000 metros de profundidade”, diz Hildenbrand. Em vez disso, os investigadores sugerem que o enorme peso do vulcão empurrou para baixo o leito marinho em seu redor e que este voltou a subir com a posterior elevação do vulcão.

Hildenbrand salienta que uma escarpa semelhante existente na encosta norte de Alba Mons, que os autores pensam poder ter sido causada por lava derretida que escorreu para o mar, ergue-se menos de cinco quilómetros acima da planície em seu redor – mais baixa do que a do Monte Olimpo. Nesse caso, talvez essa depressão inicial ou a elevação subsequente não tenham sido tão consideráveis, afirma.

Alba Mons tem uma estrutura muito diferente de Olimpo Mons. É relativamente plano – com apenas 6,5 quilómetros de altitude — mas está rodeado por vastas escoadas de lava que cobrem uma área do tamanho aproximado dos Estados Unidos da América.

Situa-se nas terras altas vulcânicas do norte da região de Tharsis, enquanto o Monte Olimpo se encontra a Oeste. Isto sugere que Alba Mons poderá não ter sido uma ilha completa, mas um manto vulcânico, diz Hildenbrand.

O vulcanólogo planetário Lionel Wilson, professor emérito da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, diz que a teoria segundo a qual as falésias em redor do Monte Olimpo foram formadas por acção da água já tinha sido proposta antes, mas a grande altitude da escarpa não fora completamente explicada. O novo estudo sugere que o crescimento do Monte Olimpo se deve a elevação vulcânica, mas os autores precisam de descobrir mais provas da sequência de eventos, diz.

McGovern acrescenta que as escarpas poderão ter sido criadas por outros processos geológicos e mostra-se satisfeito por estas questões estarem a ser investigadas. “Não estou convencido com o cenário geral”, diz, “mas é uma hipótese interessante… o Monte Olimpo sempre foi fascinante de estudar.”

Análises futuras de datação radiométrica às rochas das escarpas do Monte Olimpo poderão revelar exactamente quando e como se formaram. De momento, a sua idade só pode ser estimada através do estudo de crateras deixadas pela queda de meteoritos na região.

Hildenbrand espera que futuras sondas marcianas consigam recolher essas amostras de rocha e trazê-las para a Terra ou analisá-las remotamente no próprio planeta vermelho. “Poderíamos, assim, obter datas com as verdadeiras idades numéricas em vez de indirectas, através da contagem de crateras”, afirma. “As amostras provenientes destes dois vulcões poderão mostrar-nos onde o oceano estava – e quando existiu.”

 

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.