Don Liebenberg espreitou pela janela do avião supersónico Concorde, observando a sombra da Lua sobre o deserto do Saara. O horizonte parecia torto: a cerca de 18.000 metros de altitude, os passageiros do avião conseguiam ver perfeitamente a curvatura da Terra. No céu, acima deles, invisível à excepção de uma imagem projectada numa folha de papel, estava o anel fantasmagórico de um eclipse solar total.

No dia 30 de Junho de 1973, Liebenberg foi um de sete investigadores que participaram na mais longa observação de um eclipse total a bordo de um avião alguma vez documentada: 74 minutos de totalidade contínua. Deslocando-se ao dobro da velocidade do som, o Concorde acompanhava a umbra do eclipse, a parte mais escura da sombra da Lua, na qual todo o Sol está tapado.

A grande altitude permitia a utilização de câmaras ópticas e de infravermelhos, instaladas em portinholas, para capturar os pormenores do contorno do Sol – a corona – com pouca interferência atmosférica. O estudo da corona pode ajudar a explicar como o calor e a energia são transferidas do Sol para o sistema solar. Este fluxo constante de partículas, denominado vento solar, é por vezes libertado com maior intensidade devido a erupções da corona, que podem danificar naves espaciais e equipamentos eléctricos na superfície da Terra.

Eclipse total solar visível a partir de Jackson Hole
CHARLIE HAMILTON JAMES, NAT GEO IMAGE COLLECTION

Um eclipse total solar visível a partir de Jackson Hole, no estado de Wyoming, em 2017. Para observar a totalidade durante períodos prolongados, os investigadores voam, por vezes, a bordo de jactos para se manterem na sombra da Lua durante o máximo de tempo possível.

“Naquela altura, os nossos resultados só podiam ser obtidos com um avião supersónico”, diz Lienbenberg, actualmente professor assistente de física e astronomia na Universidade de Clemson. O voo recordista foi destaque nas notícias um pouco por todo o mundo e o Concorde utilizado nessa missão foi eternizado na sua variante de caçador de eclipses no Museu Nacional do Ar e do Espaço de França. No entanto, os investigadores solares reconhecem que o voo teve um impacto modesto no nosso conhecimento do astro.

“O voo do Concorde de 1973 foi certamente um dos mais audaciosos e fascinantes estudos de um eclipse”, diz Kevin Reardon, cientista do National Solar Observatory dos EUA que estuda eclipses do passado e do futuro. “No entanto, é provável que a importância dos seus resultados não corresponda à nossa imaginação.”

Para Jenna Samra, investigadora do Centro de Astrofísica Harvard & Smithsonian que lidera um voo científico para observar o eclipse solar total de 2024 a partir de um jacto Gulfstream V, a missão com 50 anos é mais do que pura nostalgia. “Alguns dos seus objectivos científicos eram os mesmos que os actuais”, diz. “No mínimo dos mínimos, o facto de ainda estarmos a fazer isto mostra que nos ensina bastantes coisas”.

André Turcat, o director dos voos de teste
KEYSTONE-FRANCE / GAMMA-RAPHO / GETTY IMAGES

André Turcat, o director dos voos de teste, no cockpit do Concorde para o primeiro voo de teste do jacto supersónico no aeroporto Blagnac, em França, a 19 de Agosto de 1968.

Totalidade a grande altitude

As pessoas perseguem eclipses a bordo de aviões desde pelo menos 1925. É praticamente impossível obter medições pormenorizadas da corona solar a partir do solo porque a atmosfera da Terra bloqueia e distorce as observações. Em meados da década de 1960 já tinham sido utilizados foguetes e balões para medir eclipses, mas esses voos só experienciaram a totalidade por breves minutos.

No final da década de 1960, foram desenhados aviões a jacto de maiores dimensões para voar a velocidades superiores à do som e as possibilidades do seu uso pela ciência solar intrigaram Liebenberg. “Organizei uma conferência para discutir a possível utilização do jacto supersónico XB-70 da Força Aérea em observações de eclipse”, recorda. O XB-70, um modelo a caminho da reforma utilizado para criar o avião espião SR-71 Blackbird, precisaria de uma grande remodelação para poder ser usado pela ciência espacial. No entanto, havia um jacto supersónico civil que oferecia a Liebenberg aquilo que ele queria: o Concorde SST.

O primeiro modelo de teste, o Concorde 001, voou em Março de 1969. Três anos mais tarde, Liebenberg e o seu colega cientista de Los Alamos, Art Cox, escreveram ao Institut National Astronomic et Geophysique (França), pedindo para usar o protótipo do Concorde para observar a corona solar durante um eclipse total. Graças a alguma ajuda de astrónomos franceses e britânicos, o voo foi aprovado. Iria decorrer mesmo antes de o protótipo ser reformado, antes do início dos voos comerciais.

Em Janeiro de 1973, Liebenberg preparava-se para o voo em Paris e Toulouse. Em Abril, o seu equipamento especializado já estava construído e entregue. “Foi um processo extraordinário, com muita gente a apoiar-nos no Los Alamos National Lab”, disse, ainda demonstrando gratidão cinco décadas mais tarde. Foram abertas portinholas na pele do Concorde 001 para instalar as câmaras e os bancos de passageiros desnecessários foram retirados para criar espaço para o equipamento.

Engenheiro verifica o equipamento de monitorização do protótipo Concorde 001 a 25 de Junho de 1973
AFP / GETTY IMAGES

Engenheiro verifica o equipamento de monitorização do protótipo Concorde 001 a 25 de Junho de 1973, antes da missão especial para interceptar o percurso de um eclipse solar total sobre o norte de África.

Uma das coisas do topo da lista de observações de Liebenberg era registar os ciclos da intensidade solar. A periodicidade – nome pelo qual o fenómeno é conhecido – era observada na superfície solar desde finais da década de 1960, mas nunca fora registada e confirmada durante um período alargado.

O Concorde descolou da ilha vulcânica de Gran Canaria, no arquipélago das Canárias, e perseguiu a sombra da Lua sobre África. A equipa assistiu a 74 minutos de totalidade contínua e desfrutou de uma segunda totalidade de 7 minutos e de uma terceira de 12 minutos. A segunda e a terceira incursão na sombra da Lua serviram para capturar imagens a altitudes ainda maiores.

Conforme planeado, a equipa foi a primeira a captar imagens de longa duração da pulsação rítmica da luz da corona. “Os nossos resultados foram o primeiro indício de uma periodicidade de cinco minutos”, diz Liebenberg.

Depois de aterrar no Chade, o piloto de testes francês André Turcat comunicou o sucesso do voo à Associated Press. Jornais de todo o mundo imprimiram as imagens do eclipse e foi realizada uma curta-metragem documental com as filmagens.

À medida que o tempo passava, porém, nenhuma grande revelação era anunciada. Os resultados das experiências realizadas a bordo do Concorde pouco foram utilizados. Nem sequer a medição das oscilações da intensidade coronal registadas ao longo de um período de cinco minutos deram origem a conhecimentos científicos mais profundos. “Estranhamente, nunca foram publicados resultados relevantes daquele esforço”, diz Reardon, do National Solar Observatory dos EUA, que é também professor assistente de astronomia na Universidade de Colorado Boulder.

As experiências captaram inúmeras imagens em película. “Para serem úteis para análise, muitos dos dados teriam de ser convertidos para formatos digitais, o que tem custos significativos”, diz Reardon. “Serge Koutchmy disse-me, há alguns anos, que tinha várias centenas de imagens do voo em película de 35mm que nunca foram digitalizadas”, diz, referindo-se a um dos membros da missão, que morreu em Maio de 2023.

“A produção científica não foi tão notável como o voo em si”, resumiu Reardon. Mas embora os resultados científicos não tenham sido revolucionários, o último voo do Concorde 001 foi um grande passo na observação aérea do Sol. O objectivo da missão, voar à sombra da totalidade durante o máximo de tempo possível, continua a ser relevante para o estudo dos eclipses.

No entanto, o Concorde estava condenado a ser um avião de nicho. Após um acidente fatal no ano 2000 e tendo a merecida reputação de consumir uma quantidade obscena de combustível, os voos comerciais do Concorde terminaram em 2003. Não existem aviões comerciais supersónicos desde então.

Perseguindo um eclipse no século XXI

Samra, a investigadora do Centro de Astrofísica que está a planear uma nova perseguição a um eclipse a bordo de um Gulfstream V, admitiu saber pouco sobre o voo de 1973. Depois de examinar aquele esforço, reconheceu semelhanças na sua abordagem. Tal como a equipa de 1973, ela não planeia verificar ideias prévias: está a tentar descobrir algo novo. “O facto de ser uma missão tão exploratória é um dos paralelos”, diz Samra.

A sua missão é identificar sinais na gama média dos infravermelhos que se alterem subtilmente sob a influência do campo magnético do Sol. Se estas emissões específicas podem ser utilizadas como ferramentas de diagnóstico, poderão também ser utilizadas para perceber quando as regiões do campo magnético começam a armazenar energia – um precursor das ejecções de massa violentas.

Hoje em dia, existem mais maneiras do que nunca de observar a corona, incluindo a monitorização contínua via satélite em comprimentos de onda ultravioletas ou de raio X e as coronografias – exames que bloqueiam o disco solar – como as que são feitas pelo Telescópio Solar Inouye, no Hawai. Contudo, as imagens de infravermelhos ainda desempenham um papel importante, pois podem capturar pormenores que não são visíveis noutros comprimentos de onda, como os grãos de poeira superaquecidos que rodopiam à volta do Sol.

Em 2021, Samra realizou os testes aéreos da Airborne Stabilized Platform for InfraRed Experiments (ASPIRE), um instrumento de monitorização solar com grande abertura desenvolvido para o Gulfstream V. Durante o eclipse de 2024, que será visível sobre a América do Norte, a ASPIRE transmitirá imagens para um espectrómetro personalizado chamado AirSpec para examinar padrões do campo magnético do Sol em comprimentos de onda de infravermelhos. “Houve grandes avanços nos detectores de infravermelhos, sobretudo ao nível dos equipamentos disponíveis comercialmente, incluindo nas últimas duas décadas”, diz Samra. “As medidas que poderemos obter eram impossíveis em 1973. E precisamos dessa especificidade.”

Samra e a sua equipa têm primeiro de provar que existem segmentos minúsculos do espectro dos infravermelhos que podem ser visíveis mais claramente a partir do ar do que de observatórios existentes no solo. Em seguida, essas emissões terão de ser validadas como ferramentas de diagnóstico solar num voo de balão a grande altitude. Só depois será possível optimizar um sensor para satélite capaz de realizar observações úteis – ou um sistema de alerta antecipado.

No próximo ano, Samra voará a cerca de 13.000 metros de altitude e desfrutará de cerca de seis minutos de totalidade de eclipse. “Tenho inveja do tempo que eles tiveram”, diz ela sobre o voo de 1973. “Uma vez estive num voo de observação de eclipse de nove minutos e mal tive tempo para relaxar. Só um pouco, no meio.”

Liebenberg — um astrónomo activo que ainda observa emissões da corona solar, além de estudar matéria condensada – tem acompanhado os avanços do projecto do Gulfstream com interesse. “Discuti alguns dos primeiros resultados num curso que dei no Osher Lifelong Learning Institute há um ou dois anos”, diz. “Estamos a receber muito mais informação.”

O futuro é intrigante, mas o passado é claro para Liebenberg. Cinquenta anos mais tarde, ele ainda se lembra de entrar na sombra da Lua a Mach 2.2. “A escuridão extrema do céu durante a totalidade”, disse, “foi a coisa mais memorável”.