De acordo com a revista Nature, um grupo de bioengenheiros da Universidade da Pennsylvania, nos EUA, conseguiu reconstituir péptidos que terão existido nos organismos dos nossos parentes próximos, o Homo neanderthalensis e os Denisovanos – estes últimos um grupo ainda mal conhecido e de estatuto taxonómico incerto, embora seja ponto assente que nos é filogeneticamente muito próximo.
Como é que puderam estes cientistas identificar fragmentos de proteínas produzidos por hominídeos extintos? Com a ajuda de ferramentas computacionais de deep learning. Isto é, recorrendo a modelos que tentam emular os processos lógicos subjacentes ao pensamento humano, criando o que se chama uma “rede neuronal artificial” e tentando tirar conclusões isoladamente a partir dos dados que analisa.
Kateryna Kon / SHUTTERSTOCK
Bactérias resistentes a antibióticos dentro de um biofilme, ilustração 3D.
O QUE SÃO os PÉPTIDOS?
São moléculas constituídas por pequenas cadeias de aminoácidos, que podem agir de forma isolada ou estar integradas em proteínas, e que podem ter actividade biológica, como por exemplo na resposta imunitária.
Em busca de novos antibióticos
Nas últimas décadas, a descoberta de novos antibióticos tem diminuído bastante. Ao mesmo tempo, surgem cada vez mais estirpes bacterianas que desenvolveram imunidade aos de que dispomos. Assim, torna-se cada vez mais desejável a descoberta num futuro próximo de outros compostos com actividade antibiótica.
É aqui que entra a linha de investigação acima referida, que foi, curiosamente, inspirada pelo filme Parque Jurássico (mas, segundo um dos autores do estudo, César de la Fuente, pondo a fasquia mais baixa e “ressuscitando” moléculas ao invés de dinossauros).
Deste modo, e lembrando que os peptídeos podem ter actividade antibiótica, esta equipa treinou um modelo de Inteligência Artificial para identificar nas sequências genéticas quais seriam as localizações mais prováveis de péptidos (com base nas sequências humanas conhecidas) e identificou uma série de candidatos.
TRAVANDO UMA BACTÉRIA
De dúzias, escolheram seis com particular potencial: quatro provenientes de sequências de H. sapiens, uma proveniente de H. neanderthalensis e uma proveniente de DNA denisovano, produzindo de seguida todos estes. De seguida, administraram altas concentrações de cada um deles a ratos inoculados com a bactéria Acinetobacter baumannii, responsável comum das infecções contraídas em meio hospitalar.
Todos os péptidos foram capaz de travar (mas não eliminar) a bactéria a crescer em tecido muscular, e cinco deles eliminaram-na de abcessos em tecido cutâneo. É uma expectativa destes investigadores que venha a ser possível obter moléculas mais eficientes, utilizando esta tecnologia para testar variações alternativas das moléculas obtidas.
Jean-Marc Billod /Shutterstock
Representação em 3D do péptido antimicrobiano 2 expresso no fígado, tal como previsto por alphafold e colorido de acordo com a confiança no modelo.
Quais são as consequências deste avanço?
No imediato? Nenhumas, pelo menos no que toca a estas moléculas. Embora tenham demonstrado efeito antibiótico na experiência acima descrita, é altamente improvável que possam desempenhar um papel relevante na eterna luta contra a capacidade de adaptação das bactérias.
É interessante encarar este estudo, isso sim, como uma espécie de prova de conceito: uma demonstração que é possível, com a ajuda dos métodos computacionais modernos, trazer para a modernidade, e em tempo útil, moléculas (com efeito antibiótico ou não) que se julgavam perdidas no passado.
Entre outros cientistas, as opiniões dividem-se: Nathaniel Gray, da Universidade de Stanford, considera que, embora a ideia-base seja interessante, é duvidoso que este método venha a ter um impacto relevante na busca por novos antibióticos. Outro especialista em genómica da mesma universidade, Euan Ashley, mostra-se convencido das possibilidades da mesma. Qual deles tem razão? O tempo o dirá.