Em 2013, os cientistas ficaram surpreendidos quando encontraram micróbios em rochas vulcânicas debaixo do fundo do mar, no noroeste do Pacífico, enterradas sob mais de 265 metros de sedimentos. As rochas estavam no flanco de uma zona de fenda vulcânica, e ainda eram jovens e estavam quentes o suficiente para provocar reações químicas intensas com a água do mar, de onde os micróbios extraem a sua energia.
Agora, outra equipa de investigadores descobriu células vivas dentro de uma crosta oceânica extremamente antiga e fria no meio do Pacífico Sul. Ainda não se sabe como é que estes micróbios conseguem sobreviver, no entanto, parecem existir com um rácio mais de um milhão de vezes superior, para o mesmo volume de rocha, do que na crosta mais jovem.
“Para ser sincero, nem eu conseguia acreditar”, disse o geocientista Yohey Suzuki, da Universidade de Tóquio, sobre a primeira vez que viu as finas secções das antigas rochas repletas de células. Suzuki é o autor principal do novo estudo publicado no dia 2 de Abril na Communications Biology.
A descoberta de vida microbiana num lugar tão improvável suporta a possibilidade de esta também poder existir ao longo de toda a crosta oceânica – uma camada de rocha que é tão espessa quanto o Monte Evereste em algumas secções e que se estende por 20% da superfície do planeta. E a descoberta também tem implicações cósmicas mais amplas: existem faixas vulcânicas semelhantes em Marte, um planeta que já teve a sua superfície coberta de água, e talvez até um oceano colossal.
Há cerca de quatro mil milhões de anos, o núcleo externo de Marte perdeu a sua agitação, o campo magnético entrou em colapso, a atmosfera foi arrancada pelos ventos solares e o planeta transformou-se num mundo deserto. Mas se essa água tivesse vida, e se parte da água tiver sido drenada para o solo, ainda pode existir biologia nas fendas microscópicas das rochas vulcânicas soterradas em Marte – da mesma forma que hoje acontece na crosta oceânica da Terra.
“Se existir um oceano em Marte, pode conter vida nessas veias”, diz Maria-Paz Zorzano, cientista do Centro de Astrobiologia de Espanha (Maria não participou neste novo trabalho).
Vida numa corrente global
A crosta oceânica tem sido produzida quase de forma continuada desde há 3.8 mil milhões de anos nas dorsais oceânicas – uma rede de vulcões que se estende ao longo de 65.000 km em torno do planeta. Composta maioritariamente por um tipo de rocha chamado basalto, esta lava recém-congelada ainda está quente e mistura-se de forma vigorosa com a água fria do mar, criando reações químicas que fornecem energia para a vida microbiana no fundo do oceano e, pelo que se sabe agora, muito abaixo também.
Perto das dorsais oceânicas, as rochas jovens e quentes estão repletas de vários metais, incluindo ferro, em estados químicos que fazem reação imediata com o oxigénio presente na água do mar. Os micróbios aproveitam esta peculiaridade química e produzem a sua própria energia a partir daí.
No entanto, nos flancos destas dorsais, o oxigénio da água do mar foi consumido por toda a química anterior. As reações água-basalto produzem hidrogénio e, como relataram em 2013 Mark Lever e os seus colegas, ecologistas da Universidade de Aarhus, os micróbios escondidos na crosta oceânica com 3.5 milhões de anos usam este hidrogénio para converter o dióxido de carbono em matéria orgânica que sustenta vida.
Dentro desta corrente transportadora de crosta – onde as rochas mais jovens, forjadas nas dorsais, afastam as rochas mais antigas – encontramos rochas frias mais velhas e uma escassez de ingredientes químicos essenciais, portanto, as expectativas para a existência de vida microbiana nestas condições são baixas. Mas isso não impediu os cientistas de investigar.
Em Ooutubro de 2010, os investigadores viajaram mais de 640 km a oeste das Ilhas Cook. Nesta parte solitária do vasto Pacífico Sul, perfuraram a crosta oceânica a cerca de 5.790 metros de profundidade.
Amostras de rocha da expedição de perfuração feita em 2010 no Pacífico Sul, onde foram encontrados micróbios que vivem num lugar improvável: em rocha antiga debaixo do fundo do mar. Fotografia de Caitlin Devor, The University of Tokyo.
Com tão poucos nutrientes disponíveis no local de perfuração, “quase não existe vida na água”, diz Lever (que não participou na nova investigação). É indiscutivelmente uma das “regiões mais mortas dos oceanos mundiais”.
Foram extraídos vários núcleos de crosta de diversos locais, a mais de 100 metros abaixo do fundo do mar; o mais novo tinha 13.5 milhões de anos, e o mais velho tinha 104 milhões de anos. Durante a década que se seguiu, Suzuki e a sua equipa estudaram minuciosamente as rochas e descobriram que em todas as amostras – em inúmeras microrroturas ricas em ferro e cheias de argila – havia vida.
Depósitos repletos de criaturas
Para garantir que a água do mar rica em micróbios não contaminava as amostras, a equipa esterilizou cuidadosamente a parte externa das rochas antes de as abrir. As formas de vida no interior pareciam ser os habitantes genuínos da crosta, diz Maria Zorzano.
O facto de ter sido encontrada uma comunidade densa de micróbios a viver nestas rochas – num ambiente esmagado sob uma pressão de 580 atmosferas, com escassez de nutrientes e de espaços congestionados para habitar – é um testemunho da natureza empreendedora destes organismos de vida microbiana.
Os perfis genéticos sugerem que estas comunidades são dominadas por bactérias conhecidas por heterótrofos. Ao contrário dos saqueadores de hidrogénio presentes na crosta oceânica mais jovem, estes micróbios não conseguem sintetizar os seus próprios alimentos e, em vez disso, precisam de encontrar alimento no ambiente circundante. Assim sendo, parecem obter energia a partir de matéria orgânica.
A comida dos heterótrofos pode vir dos resíduos decompostos de vida marinha que caem no fundo do mar, ou do colapso químico não biológico da própria crosta, como pode ser observado em alguns locais de fontes hidrotermais no fundo do oceano. De qualquer forma, estes resíduos ficam concentrados nas microrroturas cheias de argila, fazendo da argila um “material mágico” para a vida, diz Suzuki.
Nestas antigas rochas basálticas também foram encontrados micróbios que comem metano. Não se sabe ao certo qual é a fonte do metano, diz Lever, mas pode ter-se formado na crosta fresca do oceano através da cozedura do dióxido de carbono ali aprisionado. Talvez estas criaturas estejam a sobreviver à base de resíduos com dezenas de milhões de anos.
Vida para além da Terra
A existência de comunidades microbianas na antiga crosta oceânica também é um bom presságio para a possibilidade de vida no planeta vermelho. Quimicamente, os basaltos oceânicos da Terra são muito semelhantes aos basaltos de Marte, diz Arya Udry, cientista planetária da Universidade do Nevada, em Las Vegas, que não participou nesta investigação.
Esta descoberta aumenta as probabilidades de encontrarmos vida semelhante, em lugares comparáveis, nas nossas vizinhanças planetárias? “Completamente”, diz Lever. Apesar de não se conhecer ao certo a origem do metano, sabe-se que também existe em Marte, pelo que alguns destes micróbios que comem metano e que vivem nas crostas, como os encontrados no Pacífico Sul, também podem existir de alguma forma no planeta vermelho.
A esmectite mineral argilosa, que ajuda a fornecer alimento a muitos dos micróbios terrestres, também é encontrada no interior e exterior do basalto marciano. “Se no passado existiu vida em Marte, é provável que também possa existir atualmente nestes ambientes abaixo da superfície”, diz Lever.
Caso existam micróbios a sobreviver no interior de Marte, protegidos da radiação mortal que existe na superfície do planeta, em breve poderemos encontrá-los, diz Maria Zorzano
As implicações das descobertas feitas neste estudo vão para além do nosso sistema solar. Muitos dos ecossistemas da Terra são construídos sobre as fundações de organismos fotossintéticos, desde as algas que flutuam no mar até às plantas em terra. Mas estes micróbios que consomem metano podem extrair a sua energia apenas da crosta oceânica, tornando o seu ecossistema completamente diferente, mas não menos bem-sucedido.
A estratégia aparentemente invulgar destes micróbios pode ser mais comum no cosmos do que pensamos, diz Lever. “Quando olhamos para outros lugares no universo, a vida fotossintética pode muito bem ser a expceção.”