O que obtemos quando juntamos vários “donuts”? De acordo com os físicos ópticos: um “croissant”.

Foi esse o resultado de uma nova investigação que revela uma propriedade da luz nunca antes observada, chamada auto-torque. Esta característica, recém-descoberta nos fotões, envolve um feixe de laser retorcido que gira cada vez mais rápido, semelhante a água a escoar por um dreno. Este comportamento estranho, descrito no dia 27 de Junho na revista Science, pode um dia levar ao aperfeiçoamento das tecnologias de comunicação e a novas formas de manipulação de objectos microscópicos.

"Na ciência, estamos sempre a descobrir coisas novas, mas não é todos os dias que descobrimos uma nova propriedade fundamental", diz o co-autor do estudo, Kevin Dorney, físico-químico no laboratório Instituto Conjunto do Laboratório de Astrofísica da Universidade do Colorado (JILA), em Boulder, e do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA.

Cozimento óptico extremo

A receita para lasers em forma de “croissant” começa com um tipo de luz que tem uma propriedade conhecida por ímpeto angular orbital. Esta propriedade, oficialmente descoberta em 1992, pode ser transmitida para um feixe de laser que atravessa uma lente em forma de concha. A luz emerge como se fosse uma hélice em espiral, em torno de um ponto central. Se apontarmos este laser a uma superfície, parece um anel gordo com um furo ao centro ou, mais coloquialmente, um donut.

Se colocarmos uma partícula nanométrica no seu trajecto, esta começa a girar como um planeta em torno de uma estrela – daí o apelido astronómico da propriedade.

Dorney e os seus colegas têm trabalhado para criar luz com ímpeto angular orbital numa região do espectro eletromagnético conhecida como ultravioleta extremo – situada entre o ultravioleta produzido pelas lâmpadas de luz negra e os raios X de alta energia usados na tecnologia médica.

Os lasers de ultravioleta extremo são produzidos com o recurso a dois pulsos ópticos vermelhos, captados numa colecção de átomos gasosos de árgon. A luz vermelha do laser liberta os eletrões do árgon, "que deslizam sobre as ondas do laser como um surfista, ao mesmo tempo que acumulam energia", diz Dorney. Quando os electrões recém-energizados regressam aos átomos do árgon, libertam o excesso de energia sob a forma de fotões ultravioleta extremo com ímpeto angular orbital.

A equipa interrogou-se sobre o que aconteceria se os pulsos iniciais de laser vermelho tivessem velocidades diferentes de ímpeto angular orbital, estando também dessincronizadas uma com a outra em milésimos de segundo. As simulações demonstraram que os pulsos ópticos em formato de anel se aglomeravam de uma maneira estranha, fazendo com que os feixes helicoidais de ultravioleta extremo aumentassem rapidamente a sua torção. Nesses modelos, uma secção transversal do laser ultravioleta assemelhava-se a uma lua minguante ou, em termos de pastelaria, a um croissant.

“Não esperávamos que ao juntarmos donuts obtivéssemos um croissant”, diz Dorney. Mas quando os investigadores fizeram a experiência com luz real, foi o que aconteceu: “carregámos no botão certo, e a forma passou de donut a croissant e vice-versa”.

Futuro brilhante

A equipa chama a esta propriedade recém-descoberta de luz com auto-torque, porque é semelhante a uma chave de fendas que acelera quando aperta um parafuso, com a excepção de que, neste caso, o torque é provocado por um agente externo – como uma mão a acelerar a chave de fendas. Na natureza, o verdadeiro auto-torque é raramente observado em alguns sistemas, e geralmente acontece apenas em situações extremas. Por exemplo, quando dois buracos negros giram em torno um do outro, as suas interacções gravitacionais aceleram rapidamente a sua rotação.

Portanto, qual é a utilidade da luz com auto-torque?

“A resposta mais curta é: ainda estamos a tentar descobrir”, diz Dorney. “Esta propriedade é tão recente que as suas aplicações imediatas ainda não são óbvias.”

Há mais de 25 anos, quando a luz com ímpeto angular orbital foi produzida pela primeira vez, a situação era praticamente igual. Actualmente, as suas aplicações incluem a criação de microscópios extremamente poderosos, o movimento de peças minúsculas em máquinas industriais e o envio de dados com taxas de velocidade extremamente altas através de redes óticas de comunicação. Talvez seja por isso que a descoberta de outra nova propriedade da luz tenha deixado os outros investigadores neste campo boquiabertos.

"É muito excitante e fascinante", diz Alan Willner, engenheiro eléctrico na Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, que não participou neste estudo. "É como um presente que está sempre a oferecer mais qualquer coisa".

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no site nationalgeographic.com