Wilberforce Tushemereirwe segura uma banana geneticamente modificada que demorou 20 anos a fazer e custou milhões de dólares. Contém tanta pró-vitamina A, uma substância que se transforma em vitamina A no organismo, que a sua polpa tem uma distinta cor alaranjada.
Esta “super-banana” foi criada nos National Agricultural Research Laboratories (NARL), no Uganda, pela mais nobre das razões: salvar a vida de milhares de crianças que morrem todos os anos no Uganda devido a deficiência de vitamina A. Os cientistas já tinham cruzado bananeiras para aumentar a sua resistência a pragas, fungos ou seca. Contudo, suplementar bananas para fornecer nutrientes aos seres humanos que as ingerem é uma novidade.
A inovação resulta de uma parceria do laboratório de Kawanda, dirigido por Tushemereirwe, James Dale, um cientista agrícola e especialista em bananas australiano, e a Fundação Bill e Melinda, que investiu 11 milhões de dólares num dos mais duradores projectos financiados pela fundação. Wilberforce tinha 47 anos em 2005, quando começou a trabalhar em Banana21, nome pelo qual o projecto é conhecido, e tem agora 65.

 

NARL
SVEN TORFINN, PANOS PICTURES/REDUX

Um cientista dos National Agricultural Research Laboratories (NARL), examina amostras de rebentos de bananeira que estão a ser utilizados no âmbito de uma investigação de tecnologia genética 

Ainda há um obstáculo por superar: obter a aprovação do Estado, tendo em conta a manifesta oposição às culturas geneticamente modificadas. A legislação para regular e promover o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados (OGM) corre pelos corredores do parlamento ugandês desde o início da década de 2000, mas ainda não foi promulgada. 

Os primeiros e ineficazes esforços

O tratamento para a deficiência de vitamina A existe há um século e a condição praticamente desapareceu dos países desenvolvidos. No entanto, continua a ser um problema de saúde pública grave a nível global. A Organização Mundial da Saúde estima que 190 milhões de crianças com menos de 6 anos sofram deficiência de vitamina A, sobretudo na África Subsaariana e no sudeste asiático. A condição é a principal causa de cegueira evitável em crianças. Também inibe o crescimento das crianças e diminui a sua resistência às doenças, fazendo com que muitas morram de maleitas tratáveis como diarreia e sarampo. Só em África, a “fome silenciosa” da má nutrição galopante é responsável por 6 por cento de mortes em crianças pequenas e, no Uganda, um dos países mais pobres do mundo, permanece perto do topo da lista dos riscos de saúde.

Tushemereirwe teve essa experiência em primeira mão. Ele cresceu na década de 1960 numa aldeia rural dominada pela má nutrição e adoeceu diversas vezes. Embora os seus pais tivessem capacidades de proporcionar-lhe tratamentos no hospital missionário local, outras crianças da aldeia não tinham tanta sorte. Tushemereirwe foi ao primeiro funeral da sua vida aos 10 anos. A experiência, diz, permanece gravada na sua memória.

O seu sonho, disse-me quando visitei o seu laboratório no ano passado, é que a nova banana “seja aceite, sobretudo nas áreas rurais”.

banana vitamina
AGOSTINO PETRONI

A deficiência de vitamina A é a principal causa de cegueira evitável nas crianças do Uganda e provoca muitas outras condições clínicas. À esquerda, a chamada “super-banana”, com vitamina A adicional, tem uma cor ligeiramente alaranjada comparada com uma banana não modificada (direita).
 

Um ícone cultural como salvação

Há décadas que o governo do Uganda tenta resolver o problema – com sucesso limitado. A distribuição de cápsulas de vitamina A, por exemplo, funcionou bem nas zonas urbanas, mas não conseguiu chegar àqueles que mais dela necessitavam nas zonas rurais. Suplementar farinhas de milho e trigo e óleos comestíveis com vitamina A, de modo a aumentar o seu valor nutricional, revelou-se mais eficaz. No entanto, estes alimentos não são consumidos em quantidade suficiente para fazerem uma diferença significativa.





As bananas, um elemento essencial da dieta ugandesa90 variedades



enchem as prateleiras de todos os tipos de lojas: barbearias, lojas de CDs ou cafés com internet



as bananas locais nunca forneceram pró-vitamina A suficiente para uma dieta saudável.banana Asupinaaté 30 vezes mais pró-vitamina A

, pareciam uma melhor opção. São cultivadas

. O ugandês médio come cerca de 400 quilos de banana por ano. Nenhuma outra cultura alimentar tem um alcance comparável – e, no Uganda, as bananas estão praticamente em todo o lado.

Não só formam pilhas altas nos mercados de rua, como

. Quase todas as quintas e quintais têm várias bananeiras. Os ugandeses comem bananas cozinhadas ao vapor com uma pitada de sal, esmagadas em guisados de frango, fritas, grelhadas, cozidas, fermentadas e transformadas em vinho, destiladas como bebidas espirituosas ou simplesmente descascadas ao lanche.

Contudo, tal como outros alimentos,

Felizmente, há muito que existem variedades de banana naturalmente ricas em pró-vitamina noutros locais e Dale sabia onde. A

, que cresce na ilha da Nova Guiné, contém

do que a banana das terras altas de região oriental de África. Dale sabia que podia isolar o gene fitoeno sintase da banana Asupina – rico em betacaroteno, um nutriente que o fígado transforma em vitamina A no organismo – e transferi-lo para outra banana com melhor rendimento e sabor.

Uma vez que o gene necessário era de uma banana, a nova banana concebida através de engenharia genética seria composta por genes de banana e não por genes de animais ou outras plantas. A equipa tinha esperanças de que esta diferença apaziguasse os críticos das modificações genéticas. “Estamos a consumir este pedaço de ADN e esta quantidade de pró-vitamina A há provavelmente mil anos sem quaisquer efeitos adversos”, disse Dale. “Serão bananas feitas no Uganda, por ugandeses, para o Uganda.”

Enquanto a equipa de África preparava o laboratório e aprendia como modificar as plantas, Dale trabalhava na Austrália no seu laboratório, na Universidade de Tecnologia de Queensland, para identificar os genes que poderiam aumentar a quantidade de pró-vitamina A numa banana. A investigação para descobrir a combinação de maior sucesso demorou quase uma década. Depois de ser bem-sucedido nos primeiros testes, em 2012, Dale enviou duas construções biológicas com o precioso gene extraído para o Uganda, onde os cientistas o acrescentaram à banana que os ugandeses utilizavam para cozinhar.

Quando visitei o laboratório em Kawanda no ano passado, os testes de campo estavam a chegar ao fim. Stephen Buah, director de testes de campo, mostrou-me filas de 500 bananeiras cultivadas num terreno vedado, onde duas das variedades mais promissoras e duas culturas suplentes já tinham sido seleccionadas. Os cientistas também tinham recolhido todos os dados necessários para provar que as bananas eram seguras para consumo humano. “Já estamos prontos”, anunciou orgulhosamente Buah.

A Fundação Gates preparava-se para partir. Jim Lorenzen, gestor de projectos sénior da Fundação, disse que houve vários factores envolvidos, incluindo “o facto de o estado ugandês não ter aprovado uma lei de biossegurança que permitiria [que as bananas] fossem liberalizadas”.

Matoke
SVEN TORFINN, PANOS PICTURES/REDUX

Um cientista testa amostras de bananas matoke cultivadas nos National Agricultural Research Laboratories (NARL).

O caminho para a aprovação política também é acidentado

O Parlamento do Uganda aprovou a primeira legislação de biossegurança em 2017 e uma versão revista em 2021. No entanto, o Presidente Yoweri Museveni, que apelou à investigação, ainda não a assinou. A legislação está a ser revista novamente.
Monica Musenero, cientista e ministra da tecnologia e inovação científica do Uganda continua optimista quanto à aprovação da proposta de lei. “Não tínhamos bases suficientemente boas para perceber. Por isso, estávamos a tentar redigir uma lei que nos protegesse motivados pelo medo”, disse, explicando a primeira versão. A legislação revista é mais abrangente e inclui a biotecnologia como um todo, permitindo-a não só na agricultura, mas em sectores como os cuidados de saúde. “Agora percebemos melhor a ciência e, enquanto país, também sabemos melhor aquilo que queremos.”
Enquanto o Uganda espera, o Quénia, que partilha a sua fronteira oriental, pôs fim à sua proibição de culturas OGM, em vigor há uma década. Um acto que, no entender de alguns, poderá acabar com o impasse no Uganda.
Tushemereirwe diz que a culpa do atraso no Uganda é das agências não-governamentais europeias, que criaram dúvidas sobre a biotecnologia. “São apenas medos de pessoas que têm do que o suficiente para comer e esse medo está a ser transmitido a pessoas que não têm comida e estão a morrer de fome”, disse. “Sinto-me muito desiludido e frustrado com a lentidão do processo político, que está a dar mais ouvidos a uma pequena minoria de ugandeses anti-OGM, que são contra a disponibilização de bananas com pró-vitamina A, e não à ciência que pode salvar a vida das crianças.” Enquanto o Uganda espera, o Quénia que partilha a sua fronteira oriental, pôs fim à sua proibição de culturas OGM, em vigor há uma década.
Embora o cepticismo sobre a ciência das OGM perdure e seja o principal culpado, a adoração da banana como ícone cultural no Uganda também complica as coisas. Resumindo: a banana é sagrada. A sua presença no país remonta à mitologia criacionista do século XIII. Fred Wanyu, líder tribal e linguista ugandês, diz que os seus antepassados consideravam a banana “a mãe da sociedade” e deram nomes a cada espécie, personificando-a. Muitas descendentes dessas estirpes ancestrais são cultivadas actualmente e os agricultores temem que uma nova super-banana perturbe a cultura ugandesa da banana em grande escala. Até variedades convencionais, cruzadas para melhorar o rendimento ou a resistência a pragas, foram por vezes acusadas de fazer as variedades antigas perder textura e sabor.
“As pessoas vêm ter comigo e pedem: ‘Por favor, eu quero a local. Não quero essa. Essa não é suficientemente doce’”, diz Umar Kityo, um jovem agricultor e agrónomo que cultiva 34 variedades de banana locais. E ele teme que ninguém compre uma banana geneticamente modificada que é cor de laranja.
A Food Rights Alliance, uma organização sem fins lucrativos politicamente activa e crítica acérrima dos OGM, acha que o argumento é tão cultural como científico. “Precisamos de perceber que, embora estejamos a manipular bananas, estamos a tentar manipular a nossa cultura”, diz Agnes Kirabo, directora do grupo.

Dizer sim à ciência

Antes de partir do Uganda, fui até Mukono, a cerca de 32 quilómetros dos laboratórios NARL em Kawanda, e encontrei-me com Jane Nansubuga, uma rara mulher proprietária de terras, para uma visita guiada à sua plantação. Ela tivera as suas próprias dificuldades com o cultivo de mangas híbridas. O rendimento das culturas e o sabor ficaram abaixo das suas expectativas, mas ela permanece receptiva a experiências.
“Não podemos dizer não à ciência. Estamos a viver de acordo com a ciência”, disse Nansubuga. “Por isso, temos que experimentar”.
Sentados na sua varanda com vista para a interminável floresta de bananeiras que se fundia com a neblina da tarde, ela serviu-me uma deliciosa banana ao vapor com porco grelhado que cozinhara em lume baixo. Enquanto provava o fruto macio e doce, pensei naquilo que Wanyu, o linguista, me dissera alguns dias antes.
Apesar da sua reverência pelas estirpes ancestrais, Wanyu também acredita que se um pequeno pedaço de uma banana for acrescentado a uma banana sua irmã, criando algo melhor, “acho que viveremos num mundo melhor”. É esse o desejo de muitos ugandeses, enquanto se esforçam para se erguer acima da má nutrição e da pobreza extrema. “A cultura é dinâmica”, disse Wanyu. “Se assim não fosse, ainda estaríamos a escrever em pedras.”

Esta reportagem teve o apoio do Pulitzer Center e foi publicada originalmente em inglês em nationalgeographic.com.