As primeiras estrelas não eram nada parecidas com as estrelas antigas e relativamente frias, que povoam actualmente a maior parte do universo. Na altura, há mais de 13.500 milhões de anos, quase toda a matéria visível do universo era composta por hidrogénio e um pouco de hélio.

Sem elementos mais pesados, as primeiras estrelas, outrora geradas pela fusão nuclear, queimavam furiosamente as suas reservas de hidrogénio, explodindo em supernovas. Estas gigantes cresciam até alcançarem uma massa centenas de vezes superior à do Sol e só viviam alguns milhões de anos. Em comparação, a estrela do nosso sistema tem cerca de 4.600 milhões de anos e a sua vida prolongar-se-á durante, no mínimo, esse mesmo tempo.

Contudo, os astrónomos nunca viram essas primeiras estrelas. Elas acenderam-se no final de um período denominado Idade das Trevas Cósmica, quando o universo estava cheio de gás de hidrogénio opaco. A luz dessas estrelas não é suficientemente forte para ser detectada individualmente, nem pelos telescópios mais potentes. Para espreitar para dentro do coração desses monstros, os cientistas estão a recorrer a simulações geradas por supercomputadores, como esta imagem recente de uma nuvem primordial, um berçário de estrelas dos primeiros tempos do universo.

“Aquilo que é magnífico para nós é conhecermos a física e as equações que regem a forma como a matéria se comporta e a gravidade funciona”, diz Tom Abel, astrofísico computacional do Kavli Institute for Particle Astrophysics and Cosmology (KIPAC) da Universidade de Stanford, que criou a simulação juntamente com o engenheiro de software Ralf Kaehler, igualmente do KIPAC. “Isso dá-nos uma estrutura, dentro da qual podemos pensar como uma coisa se poderá ter transformado noutra coisa.”

Este processo de transformação, ocorrido à medida que as estrelas fundiam elementos mais leves em metais mais pesados, conduziu à evolução do universo. Na astronomia, tudo o que é mais pesado do que o hélio é considerado um “metal” e estes novos elementos foram gerados pela primeira vez quando as primeiras estrelas explodiram em supernovas, disseminando o seu conteúdo pelo cosmos.

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IMAGEM DE NASA, ESA, CSA, STSCI, IMAGE PROCESSING: JOSEPH DEPASQUALE (STSCI), ALYSSA PAGAN (STSCI), ANTON M. KOEKEMOER (STSCI)

Embora não consiga ver as primeiras estrelas, o telescópio James Webb captou vistas deslumbrantes de formação das estrelas em locais mais próximos da Terra. Uma estrela a caminho de ganhar vida expele material, criando uma forma de ampulheta. Camadas de gás e poeira semelhantes a bolhas podem ser vistas emanando da proto-estrela que se encontra a cerca de 460 anos-luz de distância. As áreas cor de laranja foram tingidas pela poeira, enquanto as áreas azuis se apresentam menos obscurecidas.

A dada altura, conjuntos de estrelas reuniram-se em espirais, formando as primeiras galáxias, incluindo as primeiras estruturas da Via Láctea. Os metais acumularam se e novas gerações de estrelas formaram-se a partir destes elementos mais pesados, muitas delas evoluindo para se tornarem mais pequenas, mais frias e mais duradouras. À volta de algumas destas estrelas, restos de poeira – material fabricado pelas supernovas – aglomeraram-se, formando os primeiros planetas.

O nascimento das primeiras estrelas representa o início de uma sequência que deu origem a todos os mundos e seres vivos do universo e podem ser utilizadas simulações para estudar os fundamentais primeiros passos que os telescópios não conseguem observar.

Camadas de uma nuvem cósmica 

Os cientistas conseguem simular cada vez melhor o universo graças aos avanços da física e da informática. Inspirado pelo lançamento do Telescópio Espacial James Webb, que rapidamente começou a descobrir galáxias primitivas nunca antes vistas, Abel dedica-se agora a criar novas simulações do universo primitivo durante meses a fio, com quase mil vezes mais resolução do que era possível quando começou a trabalhar em modelos cosmológicos gerados por computador há mais de 20 anos.

Isso permite-lhe fazer experiências, diz Abel. “Vejamos, se eu mudar um bocadinho isto, o que acontece a seguir? E assim podemos desenvolver uma intuição de como o universo funciona e como as peças se encaixam.”

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IMAGEM COMPOSTA DE NASA, ESA, CSA, STSCI, WEBB ERO PRODUCTION TEAM

O Webb penetrou nas nuvens da Nebulosa da Tarântula para captar milhares de estrelas jovens, incluindo algumas nunca antes vistas, envoltas em poeira cósmica, situadas a cerca de 170.000 anos-luz.

Para as primeiras estrelas se acenderem, foi necessário que se acumulasse gás em bolsas suficientemente densas para obrigar os átomos de hidrogénio a fundirem-se em hélio, libertando calor e energia. Isto ocorreu devido às forças gravitacionais de uma mão invisível: a matéria escura. Antes de as primeiras estrelas ganharem vida, esta matéria invisível, que os astrónomos pensam representar cerca de 85 por cento de toda a matéria do universo, juntou-se em estruturas denominadas halos de matéria escura.

Essas enormes esferas – assim designadas pela forma como a matéria escura circunda os materiais visíveis, criando anéis de escuridão em torno da luz – são os alicerces do universo. No seu interior, bolsas turvas de gás foram obrigadas a precipitar-se cada vez mais para dentro, atiçando os fogos que poriam fim à Idade das Trevas Cósmica.

Uma das vantagens de simular as primeiras estrelas, diz Abel, é ficar com uma ideia de como a física fundamental do hidrogénio, o mais pequeno e leve dos elementos, ditou a formação de estrelas gigantes, que viriam a transformar o universo.

Durante a "Idade das Trevas", a maior parte destes átomos existiam sob a forma de hidrogénio neutro – ou seja, átomos individuais que voavam livremente pelo espaço. No centro dos grandes halos de matéria escura, onde muito deste hidrogénio neutro se reuniu, as temperaturas subiram, fazendo com que, por vezes, os átomos individuais colidissem e se unissem, formando moléculas com dois átomos de hidrogénio.

Nesta altura, as coisas começaram a mudar. Como demonstrado pela simulação de Stanford, forma-se uma nuvem – com cerca de mil anos-luz de diâmetro – onde as moléculas de hidrogénio se acumulam. As camadas exteriores desta nuvem começam a arrefecer porque as recém-formadas moléculas de hidrogénio libertam, ocasionalmente, fotões de luz, deixando escapar energia e calor. À medida que as temperaturas descem, o gás que se precipita para o interior abranda e o material atrás dele acumula-se, enviando ondas de choque através da nuvem

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MOSAICO COMPOSTO POR SEIS IMAGENS (180 IMAGENS COM SEIS FILTROS) DE NASA, ESA, CSA, STSCI, KLAUS PONTOPPIDAN (STSCI)

Estrelas recém-nascidas eclodem de casulos de gás e poeira nesta imagem captada pelo Webb do complexo de nuvens Rho Ophiuchi, o berçário de estrelas mais próximo da Terra. Esta região contém cerca de 50 estrelas jovens, muitas delas com massas semelhantes à do Sol. Uma estrela de maiores dimensões situada na metade inferior da imagem abre uma gruta nas nuvens densas.

“Há aqui tanta estrutura”, diz Abel sobre as diferentes camadas da simulação de uma nuvem/berçário de estrelas. “É tão divertido.”

Nas profundezas da nuvem, camadas adicionais são aquecidas ou arrefecidas, provocando colisões mais turbulentas. Os processos de arrefecimento também reduzem a pressão do gás que se desloca para o exterior – o principal opositor da gravidade. Inexoravelmente, a pouco e pouco, a nuvem colapsa para o interior. “Basicamente, o que acontece é a formação de um objecto com cerca de 10 vezes a massa de Júpiter, que se agregará muito depressa”, diz Abel.

Os cientistas ainda não sabem, ao certo, quão grandes estas primeiras estrelas se tornaram à medida que o gás continuou a acumular-se, mas podem ter alcançado centenas de vezes a massa do Sol.

Sobrealimentando o universo

A gravidade intensa libertada pelas primeiras estrelas não só dispersou os metais das supernovas como inundou o cosmos com luz ultravioleta. Esta radiação libertou os electrões dos átomos de hidrogénio neutro, tornando o gás mais transparente, um momento crucial da história cósmica conhecido como re-ionização.

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IMAGEM COMPOSTA POR ESA/WEBB, NASA, CSA, M. BARLOW (UCL), N. COX (ACRI-ST), R. WESSON, UNIVERSIDADE DE CARDIFF

As estrelas não duram para sempre. Com um nível de pormenor sem precedentes, o Webb observou a famosa Nebulosa do Anel, uma estrela no final da sua vida. Formada por uma estrela que está a libertar as suas camadas exteriores à medida que vai ficando sem combustível, encontra-se relativamente perto da Terra, a cerca de 2.500 anos-luz.

Embora possamos nunca encontrar a primeira estrela que se acendeu no abismo, a nossa capacidade para simular o cosmos está a proporcionar-nos uma imagem cada vez mais nítida de como deverá ter sido esta época fundamental. Estas simulações também podem revelar partes do futuro do universo. “Podemos estudar a primeiríssima coisa que ainda não vimos”, diz Abel, “e podemos estudar a última das coisas que as pessoas poderão ver”.

Artigo publicado originalmente em inglês em nationalgeographic.com.