Tal como muitas pessoas que partilham a sua casa com um gato, falo frequentemente com a predadora em miniatura que dorme na minha almofada. Acima de tudo, pergunto à Ofélia se quer comida ou festinhas. Sei que me ouve: as suas grandes orelhas giram como antenas parabólicas peludas na minha direcção enquanto abro a boca. O que não é tão claro é se está consciente de que me dirijo a ela. Um recente estudo publicado na “Animal Cognition” demonstra que é provável que o saiba.

Charlotte de Mouzon, amante de gatos e etóloga (cientista que estuda o comportamento dos animais), dedicou a sua carreira a compreender o vínculo entre o gato e o ser humano a partir da perspectiva do felino.

De Mouzon, que trabalha para a empresa de serviços para animais domésticos EthoCat na cidade francesa de Bordéus, concebeu uma série de experiências para provar como gatos domésticos de diferentes raças reagem a gravações das vozes dos seus donos e de estranhos falando com eles.

Quando ouviam uma voz familiar, os felinos respondiam de forma subtil, mas distinta, nomeadamente abanando a cauda, girando as orelhas ou ficando quietos enquanto se limpavam. Essa não era a sua reacção quando os donos falavam com outras pessoas ou quando ouviam vozes de estranhos. Este estudo é um dos primeiros a demonstrar que os gatos conseguem reconhecer (e reagir) às vozes dos donos.

gatos reconhecem voz

Um gato chamado Caramel senta-se com um cliente do café Le Louis IX, em Paris. Esta fotografia, agora icónica, foi publicada pela primeira vez na edição de Julho de 1989, dedicada integralmente a França. Fotografia de James L. Stanfield, Nat Geo Image Collection.

“Existe uma comunicação especial entre o dono e o seu gato”, disse de Mouzon, que também é investigadora da Universidade de Paris Nanterre, em França.

“O facto de estarem atentos às diferentes formas como falamos demonstra o quão importantes somos para eles, para além de os alimentarmos ou de lhes darmos abrigo.”

Uma cidade de patas da investigação felina

Para além da escolha de palavras, exprimimo-nos através de inflexões vocais, tom e entoação. Por exemplo, podemos utilizar palavras e frases diferentes quando falamos com amigos do que quando falamos com os nossos chefes. Outro exemplo disso é a forma como falamos com os bebés.

Os investigadores chamam-lhe “conversa de bebé” e costuma consistir em palavras repetitivas pronunciadas num tom mais alto e com uma sintaxe mais simples do que a conversa de adultos. Os bebés adoram. Os estudos demonstram que os bebés aprendem novas palavras e as recordam melhor quando os adultos fazem “conversa de bebé”.

Assim sendo, não é de estranhar que os milhões de pessoas que tratam as suas mascotes como bebés também utilizem estes padrões de fala distintos quando se dirigem a elas.

Embora os investigadores saibam há algum tempo que tanto os bebés como os cães reagem de forma a este tipo de discurso, as suas experiências têm-se concentrado menos nos gatos.

Jennifer Vonk, psicóloga comparativa da Universidade de Oakland, em Michigan, nos Estados Unidos da América, afirma que isso pode dever-se ao facto de, ao contrário dos cães, os gatos não serem tão fáceis de domesticar e costumarem ser medrosos em situações novas: dois factores que dificultam as experiências. Outro obstáculo poderá ser a percepção de que os gatos são menos sociáveis do que outros animais de estimação, diz Vonk.

Apesar da sua reputação de serem distantes e pouco afectuosos, os gatos formam vínculos profundos com os seres humanos e, segundo estudos recentes, preferem frequentemente a sua companhia a outras recompensas, como comida.

Já me ouves?

Uma vez que falar é uma forma importante de comunicação para os seres humanos, de Mouzon quis saber se os gatos sabem quando os donos estão a falar com eles e se reagem de forma diferente aos estranhos.

De Mouzon recrutou 16 donos de gatos em Bordéus para participarem na experiência. Primeiro, gravou os donos dizendo frases específicas como “queres brincar?”, “queres uma guloseima?” e “até logo”. As suas vozes foram gravadas duas vezes: uma como se falassem com o seu gato e outra como se falassem com uma pessoa.

Munida das gravações, de Mouzon procedeu à fase seguinte das experiências em casa dos gatos, onde os animais se sentiam confortáveis e reagiam com naturalidade. Em cada casa, reproduziu gravações em áudio do dono do gato e de estranhos dizendo as mesmas frases, enquanto gravava em vídeo as reacções do gato.

Os gatos reagiam quando ouviam os seus donos falar com um tom dirigido a eles, mas não quando se dirigiam a outro ser humano. Também não reagiam quando ouviam a voz de um estranho, quer este falasse com tom de “conversa de bebé” ou “conversa de adulto”. Segundo de Mouzon, isto indica que os gatos conseguem reconhecer quando os donos falam com eles.

Um vínculo mais forte

“Isto é realmente importante”, diz Marsha Reijgwart, etóloga do Purr Doctors, um centro de investigação educativa dos Países Baixos que não participou no estudo. “É uma indicação de que os gatos conseguem mesmo distinguir que o som que escutam é importante para eles”, prossegue.

Esther Bouma, colaboradora de Reijgwart no Purr Doctors, concorda, embora advirta para o facto de o trabalho não demonstrar que os gatos saibam aquilo que dizemos. Também sublinha que o pequeno tamanho da amostra e a relativa uniformidade dos gatos e dos seus donos podem dificultar a generalização das descobertas a todas as relações entre gatos e humanos.

Todavia, de Mouzon assegura que a sua investigação deveria dar aos donos dos gatos a certeza de que as suas mascotes provavelmente os ouvem.

“Mesmo sabendo que os gatos não são bebés humanos”, diz, “podemos falar com eles de uma maneira à qual sejam sensíveis e isso pode reforçar o nosso vínculo.”

Este artigo foi originalmente publicado em inglês em nationalgeographic.com.

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