O famoso médico Santiago Ramon y Cajal, Prémio Nobel da Medicina em 1906, escreveu que se o ser humano se dispusesse a isso, podia ser o escultor do seu próprio cérebro.
Talvez seja demasiada confiança nas nossas capacidades, mas a matéria-prima não falta: embora seja uma esponja aquosa de quilo e meio em média, com gordura e proteína – e segundo quem já o analisou, macio ao ponto de ser comparado a tofu e manteiga – o cérebro tem capacidades virtualmente infinitas.
Por exemplo, processa mais informação em 30 segundos do que o telescópio Hubble em trinta anos. Um pedacinho do córtex cerebral com um milímetro cúbico – um grão de areia, mais ou menos – pode conter 2.000 terabytes de informação… suficientemente grande para armazenar quase todos os filmes alguma vez feitos.
Estes cálculos, feitos pelo doutor Magnus Bordevich, director do Departamento de Ciência Informática da Universidade de Durham, surgem no livro “O nosso corpo”, do escritor Bill Bryson. Esta obra, e “Encontros imediatos com a Humanidade”, da antropóloga Sang-Hee Lee, são as principais fontes deste artigo sobre a central de operações de todo o sistema de canalização e distribuição eléctrica que é o nosso corpo humano. Bem-vindo ao complexo mundo do cérebro humano em cinco tópicos.
1. PÔR O CÉREBRO A TRABALHAR
Para começar, o cérebro não tem receptores de dor. Logo, não sente nada. Não tem percepção do mundo, mas é quem no-lo transmite. A informação chega-lhe através de impulsos eléctricos e é assim que ele decompõe a realidade. É um órgão de muito apetite: ainda que represente 2% da massa corporal, consome 20% da energia.
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2. A MECÂNICA DA COISA
A maior parte daquilo a que chamamos cérebro é a massa cerebral. Divide-se em dois hemisférios, o direito e o esquerdo, que são recheados de matéria branca, mas cobertos da matéria cinzenta que dá cor ao cérebro. Cada um deles controla uma parte do corpo, mas curiosamente a contrária ao lado onde se encontram e estão ligados pelo corpo callosum. A massa cerebral está pejada de rugas, que do que sabemos são tão distintas em cada indivíduo quanto uma impressão digital. Mas não sabemos bem se isso significa algo de mais individual nos nossos comportamentos ou nas nossas inteligências. Cada hemisfério cerebral divide-se em quatro lobos. O temporal gere a informação auditiva, mas contribui também para a visual; o occipital processa a maior parte desta última; o parietal trata das nossas sensações físicas como o tacto ou a temperatura; e o frontal controla as chamadas funções superiores do cérebro (raciocínio, controlo emocional, resolução de problemas, etc.). Uma segunda parte importante do cérebro é o cerebelo. É uma coisa pequenina, mas tem mais de metade das ligações nervosas, porque coordena os nossos movimentos. Na nuca, temos a terceira parte, o tronco cerebral, que liga com a coluna e o corpo e transmite as ordens para que as acções se efectuem. Sem o tronco cerebral, o cérebro é uma feira popular sem público. No Reino Unido, por exemplo, uma das condições para se considerar alguém como sem vida é a morte do tronco cerebral.

3. OUTRAS PEÇAS IMPORTANTES
Mas existem também outras estruturas cerebrais mais pequenas que controlam aspectos incrivelmente específicos da actividade cerebral. Há quem defenda que estas estruturas fazem todas parte de um sistema único e ligado; outros neurobiólogos discordam e pensar que são apenas órgãos separados especializados. Os primeiros chamam-no de “sistema límbico” e numa simplificação algo grosseira, é o nosso lado primitivo. São pequenos trabalhadores como o telencéfalo, o hipotálamo, a amígdala ou o hipocampo, que referimos enganadoramente no singular: existem a duplicar, um em cada hemisfério. O que fazem estas obreiras? O trabalho importante dos nossos instintos. Controlam processos como a memória, o apetite, as emoções, o sono, a percepção do mundo através dos sentidos, ou o nosso desempenho corporal.
Um dos mais importantes é o hipotálamo, um feixe de células nervosas do tamanho de um amendoim que controla quase todos os aspectos químicos do corpo. Gere a função sexual, a fome e a sede, decide quando é horas de dormir, analisa de quando em vez o sangue na procura de açúcar e sais. Até decide quão depressa envelhecemos. E pesa três gramas. A amígdala é a amiga do hipotálamo no campo emocional. É ela quem lida directamente com as emoções mais intensas que podem causar stress ou trauma – por isso, muito envolvida na origem das fobias. Pessoas sem amígdala, por exemplo devido a acidentes, não sentem medo… mas também não o reconhecem. Ela também gere essas emoções durante o sono, fase em que está bastante activa.
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4. PROCESSOS MISTERIOSOS
Outro destes órgãos é o hipocampo, que intervém num dos nossos maiores mistérios: a memória. Sabemos como se forma. Sabemos onde se guardam as memórias, no plural. Mas não sabemos que critérios usa o cérebro para escolher o que é importante guardar ou não. Afinal, o que faz de alguém um bom jogador de Trivial Pursuit? A consciência e o pensamento são outros enigmas. É óbvio que existem, são fundamentais no nosso quotidiano e nas realizações humanas, mas não se analisam em laboratório. São, no entanto, muito objectivos e reais. A maneira como o nosso cérebro nos comunica a realidade é também estranhíssima. Este não vê cores ou ouve sons. Percepciona impulsos eléctricos, partículas subatómicas e pior do que tudo, não nos transmite a verdadeira realidade. Pega em padrões e em fragmentos e ajuda-nos a interpretá-los. Quando vemos algo, apenas 10% dessa informação vem do nervo óptico. O resto é uma previsão cerebral do que será o mundo no quintésimo de segundo seguinte. É também por essa razão que facilmente somos enganados pelos nossos sentidos. Mas o nosso cérebro engana-nos de outras maneiras também. A memória pode ser manipulada pelo simples facto de sermos sugestionáveis à construção da mesma. Em 2001, depois dos atentados de 11 de Setembro, um grupo de psicólogos da Universidade do Illinois recolheu testemunhos pormenorizados de pessoas sobre onde estavam e o que faziam quando os aviões embateram nas Torres Gémeas. Um ano depois fizeram as mesmas perguntas às mesmas pessoas e descobriram que ambas se contradiziam nalgum pormenor importante. Sem ter a noção de que o faziam.

5. MITOS E MITÓMANOS
Há informações que ouvimos muitas vezes sobre o cérebro que são falsas, mas constantemente repetidas. Por exemplo, só usamos 10 % do nosso cérebro: Falso. Não há qualquer prova científicas de que assim seja. Outra é a de que o nosso cérebro é plástico e flexível enquanto crescemos, mas gradualmente “endurece” quando somos mais velhos. Isto significa que aprendemos enquanto crianças, estagnamos enquanto idosos. Pesquisas sobre o assunto desconfirmaram esta ideia. É verdade, no entanto, que as coisas que aprendemos facilmente quando mais novos são diferentes das de idade avançada. Memorização mecânica é muito intuitiva nas crianças; mas ligar e relacionar informações é algo em que os adultos se comportam melhor do que a petizada. E embora obcequemos com a componente genética e biológica da nossa herança cerebral, a verdade é que ao longo da nossa evolução como seres humanos o lado social teve um papel fundamental e não pode ser desprezado. Mas o pouco que sabemos sobre o nosso cérebro é equivalente à ilusão de controlo que julgamos ter sobre o mesmo. Egas Moniz é um exemplo clássico desta máxima. A sua vitória do Prémio Nobel da Medicina/Fisiologia em 1949 deveu-se à criação da lobotomia. Este era um processo humanamente indigno através do qual se condicionava os comportamentos considerados desviantes de doentes esquizofrénicos. Como? Removendo parte dos lobos frontais, aqueles que controlam o comportamento. O médico de Lisboa criou escola e outros seguiram-lhe o exemplo durante décadas, até a lobotomia ter sido desacreditada entre a comunidade científica. Foi até retratada em famosas obras de ficção como símbolo da perda de individualidade numa sociedade agressiva, como é o caso de filmes como “Voando sobre um Ninho de Cucos” ou a peça “Bruscamente, no Verão Passado”, onde o autor Tennesse Williams a descreve como um recurso aplicado na altura a homossexuais, para lhes corrigir comportamentos perturbadores relacionados com a sua preferência sexual.