Talvez tenha visto as notícias: no início deste ano, o estado de Nova Iorque tornou-se o sexto do país a legalizar algo chamado compostagem humana. Em 2022, o arcebispo Desmond Tutu escolheu ser cremado não com fogo, mas com água – um processo denominado hidrólise alcalina. Em 2019, o actor Luke Perry foi enterrado num “fato de cogumelos” feito em algodão e semeado com esporos de cogumelo. Tudo isto faz parte de uma tentativa de tornar o pós-morte mais amigo do ambiente.

Os cuidados pós-morte permanecem praticamente inalterados nos EUA desde que o embalsamento e os enterros se tornaram os métodos comuns na época da Guerra Civil, afirma Caitlin Doughty, agente funerária e fundadora da organização sem fins lucrativos de cuidados pós-morte Order of the Good Death. A maioria das pessoas nem sequer tem acesso a outras opções: os enterros e a cremação são os únicos métodos legais nos 50 estados.

Os métodos de enterro tradicionais prejudicam o planeta de várias formas: o embalsamento abranda a decomposição do cadáver, para que esteja apresentável no funeral, mas, após o enterro, os químicos utilizados poluem o solo; os caixões requerem enormes quantidades de madeira e metal; e os cemitérios constroem frequentemente câmaras em betão no solo para os proteger.

A cremação exige muito combustível e gera milhões de toneladas de emissões de dióxido de carbono todos os anos.

Agora, porém, uma variedade de alternativas de cuidados pós-morte, teoricamente mais sustentáveis, estão cada vez mais disponíveis nos EUA. Fique a conhecê-las.

Enterro verde ou natural

Os enterros verdes existem desde que os seres humanos enterram corpos. As comunidades nativas americanas e judaicas praticam tradicionalmente enterros verdes. Nas gerações mais recentes, porém, estes caíram em desuso, pois as pessoas começaram a optar por enterros mais elaborados. Os enterros verdes ou “simples” tornaram-se mais comuns entre os pobres e indivíduos sob tutela do Estado. São geralmente definidos como enterros que usam materiais não-tóxicos e biodegradáveis. Num enterro verde típico, o morto é envolto numa mortalha de 100 por cento algodão e enterrado numa caixa simples de pinho.

Em alguns casos, as pessoas escolhem transformar-se em árvores após a morte, sendo plantada uma árvore sobre a sua sepultura. (No entanto, as cápsulas de enterro que deram origem a esta tendência – em que os cadáveres são envolvidos num uma cápsula em forma de ovo que, supostamente, alimenta as raízes de uma árvore jovem – não estão comercialmente disponíveis e nem sequer é claro se são viáveis.)

Em quase todos os cemitérios dos EUA existe uma área reservada para enterros verdes ou “simples”, diz Ed Bixby, presidente do Green Burial Council (GBC), que ajuda a formar e certificar espaços para enterros com normas de sustentabilidade. Em alguns locais, as sepulturas são marcadas por GPS e com uma lápide natural em pedra – de resto, a zona permanece em estado selvagem, assemelhando-se mais a uma reserva natural cheia de vida parecendo-se do que a um cemitério.

A maioria das famílias que escolhem os enterros naturais também dispensam o embalsamento, considerando frequentemente o processo demasiado invasivo, uma vez que a refrigeração é suficiente para preservar devidamente o corpo. Outros optam por líquidos de embalsamento mais suaves, sem formaldeído, que estão cada vez mais disponíveis.

Mas poderão estes enterros simples contribuir para a disseminação de doenças ou poluir a terra? Os dados de investigações sobre cemitérios tradicionais “não indicam que os cadáveres sejam perigosos por si mesmos ou devido a algo que derive deles”, diz Lee Webster, director da New Hampshire Funeral Resources and Education e antigo director da GBC, acrescentando que as câmaras, os químicos e os caixões não-orgânicos utilizados em enterros tradicionais contribuem para a poluição.

Além disso, a Organização Mundial da Saúde “não encontrou qualquer evidência de que os cadáveres representem um risco de doença epidémica – a maioria dos agentes não sobrevive muito tempo no corpo humano após a morte”.

Ainda assim, não é claro se algumas das novas variantes de enterros verdes são eficazes. Por exemplo, a marca responsável pelo fato de cogumelos de Luke Perry afirmou que este neutralizaria as toxinas e devolveria nutrientes à terra. Alguns anos antes, porém, a fabricante do fato contratara a agente funerária Melissa Unfred para estudar o fato e ela concluíra não haver provas concretas dos seus alegados efeitos.

Cremação com água

Uma cremação gera, em média, cerca de 250 quilos de dióxido de carbono, disse um cientista à National Geographic em 2016. As toxinas dos líquidos de embalsamento e implantes não-orgânicos, como pacemakers ou massas de reconstituição dentária, também são emitidas juntamente com o fumo. A cremação com água – também conhecida como hidrólise alcalina – produz o mesmo resultado com significativamente menos impacto ambiental e proporciona benefícios espirituais a algumas pessoas.

Durante milhares de anos, os nativos do Hawai praticaram uma forma de cremação com água: aqueciam água vulcânica para decompor os corpos dos seus entes queridos, diz Dean Fisher, consultor de cremação com água e antigo director do programa de doação de corpos da Mayo Clinic. Em seguida, enterravam os ossos remanescentes, acreditando que estes continham a essência espiritual da alma.

A tradição caiu em desuso nos últimos anos, mas, em Julho de 2022, o Hawai legalizou a cremação com água, pondo-a novamente ao alcance das pessoas.

As máquinas de cremação com água funcionam bombeando um fluido alcalino aquecido em redor de um corpo durante quatro a seis horas, que acelera exponencialmente o processo natural de decomposição. Os cadáveres podem ser embalsamados, ou não, e vestidos com qualquer material 100 por cento natural. Após a decomposição do cadáver, restam apenas os ossos e os implantes não-orgânicos. Os ossos são desidratados, triturados e entregues à família do falecido.

O único subproduto da cremação com água é água estéril e não-tóxica, que pode ser devolvida ao abastecimento de água local – cerca de 1000 litros, ligeiramente menos do que uma casa americana típica consome por dia. Não há quaisquer emissões para o solo ou para a atmosfera.

No entanto, a cremação com água tem as suas desvantagens. Para começar, as cremações tradicionais estão mais amplamente disponíveis, são mais rápidas e costumam ser menos caras. A cremação com água também exige energia para aquecer a água e alimentar a bomba, embora um estudo holandês de 2011 tenha demonstrado que esse consumo representa apenas 10 por cento da energia utilizada numa cremação com fogo.

Além disso, alguns dos críticos da cremação com água afirmam que esta é imoral ou desrespeitosa para com o falecido, sendo parecida com despejá-lo pelo cano abaixo. No entanto, os seus defensores dizem que a cremação com água se limita a acelerar o processo natural de decomposição e que em nada difere do processo de tratamento com água que neutraliza o sangue nos embalsamentos.

Seja como for, a cremação com água parece estar a ganhar força nos EUA. Já é legal em 28 estados – quinze deles aprovaram-na na última década.

Compostagem humana

A compostagem humana transforma os restos mortais em solo através de um processo altamente controlado – muito diferente da compostagem de restos alimentares que pode fazer no seu quintal. O cadáver é envolto numa mistura de materiais naturais, como lascas de madeira e palha, e colocado num contentor selado. Passado cerca de um mês, o contentor aquece devido aos micróbios activos que começam a decompor o cadáver. São usadas ventoinhas para projectar oxigénio sobre o contentor, que é rodado regularmente para reactivar os micróbios.

Entre 30 e 50 dias mais tarde, os ossos e os materiais não-orgânicos são removidos. Os ossos são triturados e reintroduzidos no material. São necessárias mais algumas semanas para “curá-los”, enquanto os micróbios acabam o seu trabalho e o solo seca. O resultado é cerca de 1 m³ de composto que as famílias podem usar ou doar a causas ambientais.

caixão em bambu

Adeline O'Keefe do The Natural Death Centre posa para a fotografia com um caixão de bambu em Clissold Park, em Londres. A organização é uma de muitas existentes em todo o mundo que está a tentar envolver mais as famílias nos cuidados pós-morte e proporcionar funerais amigos do ambiente. Fotografia de Abbie Trayler-Smith, The Guardian/Eyevine/Redux

A compostagem humana, também conhecida como redução orgânica natural (RON) tem custos ambientais. É necessário combustível para transportar elementos como lascas de madeira e electricidade para alimentar as bombas de ar e as ventoinhas e rodar o recipiente.

“Estamos apenas a começar enquanto empresa que está a associar [esses elementos]”, diz Katrina Spade, fundadora da Recompose, o primeiro espaço de RON do país, situado em Seattle, no estado de Washington. Apesar disso, Spade diz que, segundo a avaliação da empresa, o processo poupa cerca de uma tonelada métrica de carbono por pessoa, comparado com uma cremação ou um enterro tradicional.

A compostagem humana é rara. Só é legal em seis estados – o mais recente dos quais Nova Iorque, onde foi aprovada em Janeiro. No entanto, um legislador do estado de Massachusetts também propôs uma lei para permitir a compostagem humana e defensores do processo, como Spade, acreditam que outros estados a legalizem em 2023.

Contudo, mesmo que não esteja interessado num pós-morte amigo do ambiente, os defensores destes enterros alternativos dizem que eles têm outra vantagem: as famílias podem participar mais nos cuidados pós-morte dos seus entes queridos, desde dar-lhes banho e vesti-los em casa a depositar o corpo na sepultura, caso escolham um enterro verde.

“Não é obrigatório. Mas as pessoas são sempre encorajadas a fazerem o que puderem, caso o desejem”, diz Bixby, acrescentando que a maioria das famílias gosta de fazer parte do processo. “Vemos as pessoas passarem por uma série de emoções… e, quando chegam ao fim, têm um sorriso genuinamente sereno no rosto. Alcançaram um maior nível de aceitação da morte ao longo do processo.”

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