Constroem os seus próprios glaciares para combater as alterações climáticas

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As stupas de gelo cónicas funcionam como castelos de água, armazenando água do degelo do Inverno para a época de plantação na Primavera. O grupo de jovens que construiu esta na aldeia de Gya, no Norte da Índia, também instalou um café na sua base. As receitas do café servem para incitar os anciãos da aldeia a fazerem a sua peregrina- ção. “Ninguém os leva a lado nenhum”, disse um dos jovens.

O que podemos fazer quando a neve da qual dependemos para o abastecimento de água está a derreter demasiado depressa e os glaciares recuam montanha acima? 

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Gyen Rigzen, responsável pelo mosteiro da aldeia de Phyang, segura um pedaço de gelo da stupa ali construída em 2019. À medida que a stupa derrete, os monges usam a água para irrigar um bosque com cinco mil salgueiros e choupos por eles plantado há cinco anos, após a construção da primeira stupa.

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À sombra das montanhas, a stupa da aldeia de Lamso durou todo o Verão, fornecendo água aos agricultores até à chegada da água do degelo, proveniente dos glaciares que recuaram até às montanhas.

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Uma stupa é originalmente um monte de rocha construído pelos budistas como santuário para relíquias. Em 2019, quando os monges ajudaram a construir esta stupa de gelo, alguns artistas criaram um santuário no interior.

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Sonam Wangchuk, inventor das stupas de gelo, criou também uma escola alternativa junto de Leh, uma cidade em Ladakh. Alunos da escola ajudaram a construir alguns destes castelos. Na imagem, alguns alunos comemoram o Dia da Terra na stupa de Phyang.

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As stupas de gelo são construídas no Inverno, canalizando água de um riacho da montanha para um sistema de canaliza- ção vertical. A gravidade conduz a água até um bocal no topo. Quando o ar frio congela o esguicho, um cone de gelo ergue-se em torno do cano. Esta stupa situa-se em Gangles, nos arredores de Leh.

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Construída junto da aldeia de Shara Phuktsey, esta stupa ganhou o prémio para a maior construção num concurso realizado em 2019. Os sete milhões de litros de água armazenada contribuíram para a irrigação dos campos de quatro aldeias. A stupa também atraiu montanhistas ao local, que treparam as suas vertentes íngremes.

O que podemos fazer quando a neve da qual dependemos para o abastecimento de água está a derreter demasiado depressa e os glaciares recuam montanha acima?
No Norte da Índia, os habitantes de Ladakh gerem as alterações climáticas criando enormes cones de gelo que fornecem água aos agricultores desesperados.

Ladakh é um planalto a grande altitude, na extremidade setentrional da Índia. Encontra-se presentemente debaixo de fogo. O inimigo está a cortar o acesso às suas fontes de água e a secar as suas terras agrícolas. Agricultores desesperados, que há muito criam cabras e cultivam trigo e cevada nesta região árida, estão a fugir para Leh, uma cidade junto do rio Indo. Eu e Sonam Wangchuk viajamos de automóvel, transpondo passagens e vales acima da cota de 2.500 metros de altitude, para inspeccionar estas defesas: trata-se de altos cones de gelo, a que Sonam chama stupas.

“Este inimigo não veste uniforme, não fez alianças e não usa armas automáticas”, diz este engenheiro que fundou uma escola em Ladakh. “Não se deixa dissuadir por fronteiras e não respeita quaisquer leis internacionais. Nós, ladakhis, estamos na linha da frente de uma guerra muito diferente.”


Esse inimigo chama-se alterações climáticas. Um aumento de cerca de 1ºC na temperatura média de Inverno, nas últimas quatro décadas, cortou uma ligação vital do ciclo da água de Ladakh. Espremido entre o Paquistão e a Índia e protegido da monção de sudoeste pelos Himalaia, Ladakh recebe cerca de 110 milímetros de chuva por ano. A sua energia vital é a neve do Inverno e os glaciares das montanhas. A neve, porém, tornou-se volúvel, derretendo antes da época de plantação da Primavera e os glaciares retrocederam até ao alto das montanhas e estão a derreter mais tarde.

“O intervalo entre a queda de um nevão no final do Inverno e o degelo dos glaciares na Primavera está a aumentar”, explica Sonam Wangchuk. Esse intervalo está a tornar a agricultura impossível. “Temos uma pegada de carbono insignificante, mas estamos a pagar as consequências de um clima em mudança”, acrescenta. Os ladakhis não conseguem travar as alterações climáticas.

Enquanto saímos da auto-estrada e subimos por um desfiladeiro junto da fronteira paquistanesa, Sonam Wangchuk conta-me a sua história. Em 2013, ele reparou que o gelo, mesmo no pico do Verão, permanecia congelado se estivesse à sombra de uma ponte. Apercebeu-se então de que poderia ajudar as aldeias a congelar água no Inverno para consumo na Primavera. A instalação de sombras sobre vastas extensões de gelo era impraticável, mas um monte alto lançaria sombra sobre o seu próprio interior e, quanto mais íngremes fossem as suas faces, melhor, porque isso reduziria a área exposta ao sol.

“A matemática que aprendi no liceu garantia que o cone era uma resposta simples”, explica Sonam, enquanto descreve uma curva apertada na estrada. No budismo, uma stupa é uma pilha na qual são alojadas relíquias veneradas. Sonam e os seus alunos construíram a primeira stupa de gelo em Novembro de 2013. Criaram um sistema hidráulico de forma a que um riacho que corre junto de Leh prosseguisse montanha abaixo. Depois, encaminharam-no até um bocal através de um cano vertical. A construção de stupas não exige muita tecnologia. A equipa de Sonam abria o bocal à noite, quando a temperatura do ar era inferior ao ponto de congelação. O esguicho fino congelava enquanto caía. Lentamente, ergueu-se um monte de gelo em redor do cano, afunilando no topo.

Essa primeira stupa de ensaio tinha seis metros de altura, continha 150 mil litros de água e durou até Maio. Desde então, Sonam ensinou aldeãos em redor de Ladakh a construir stupas. Em 2019, ergueram 12, duas das quais com mais de trinta metros de altura. Este ano construíram 26, das quais nove atingiram 30 metros.

As alterações climáticas não estão só  a  modificar a Primavera em Ladakh. Também estão a causar cheias repentinas causadas por chuvadas inesperadas no Verão. Sonam acredita que a água para irrigação das stupas poderá contribuir para o regresso da vegetação nas encostas, que possa por sua vez absorver água. “Se o tamanho e a localização de uma stupa forem ideais, poderá sobreviver ao Verão e durar até ao Inverno seguinte”, diz. “A stupa cresceria”, tornando-se perene como um glaciar.

Conduzindo junto do precipício, chegámos à aldeia de Karith. Sonam é recebido como um herói pelos alunos da escola. Eles construíram a primeira pequena stupa da aldeia em 2016. “Queremos que as crianças tenham noção do que se passa no mundo e de como isso nos afecta”, diz o director da escola, Mohammad Ali. Sonam quer que o mundo saiba o que está a acontecer em Ladakh.

No ano passado, a stupa de Karith tinha 22 metros. Durou até final de Agosto, permitindo que os agricultores irrigassem os seus campos. Este ano, agricultores e estudantes construíram uma stupa mais alta. “Um dia, construiremos uma stupa de gelo que continue sempre a crescer”, diz Ali.