Hoje, o instante da epifania é mensurável através de exames ao cérebro, que nos mostram que uma parte do hemisfério direito do nosso cérebro se ilumina nesse momento. E se Anna Marie Roos, uma historiadora de ciências na Universidade de Lincoln, nos aconselha a olhar com alguma reserva para alguns desses “momentos eureka”, é também da opinião de que eles dizem muito sobre o processo criativo da descoberta.
A conversa com Roos que se segue teve lugar no local de nascimento de Newton, Woolsthorpe Manor, em Lincolnshire, Inglaterra, perto da macieira que alegadamente inspirou a lei da gravitação universal, e em Londres.
NG: A história de Newton e da maçã que caiu está registada num manuscrito do século XVIII que se encontra na Real Sociedade de Londres para o Melhoramento do Conhecimento Natural. Foi escrita por William Stukeley, seu amigo e primeiro biógrafo, que cita o pensamento de Newton sobre a natureza da gravidade que “foi ocasionado pela queda de uma maçã, e ele sentou-se em modo contemplativo.” Não será que isto valida a história?
AMR: Newton não contou a história a Stukeley em Lincolnshire, onde a árvore está. Foi em 1726, em Londres, e Newton já não era o jovem génio que tentava sobreviver. Newton conta-lhe a história na qualidade de decano que fala ao seu discípulo. Nessa altura, ele já era “o grande homem”, o estadista da ciência reunindo à sua volta os seus acólitos.
Estavam a tomar chá debaixo de macieiras, no jardim de Newton, situado em Kensington, começaram a conversar, e Newton disse “bom, sabes que a primeira vez que vislumbrei a ideia da gravidade foi ainda em jovem, em Woolsthorpe, quando estava sentado por baixo de uma macieira. Estou mesmo a imaginar Stukeley, que era inteligente mas também muito ingénuo, a dizer a Newton “Oh, a sério?”
NG: A história foi então enriquecida – a maçã não só caiu, como também caiu na cabeça de Newton. Como é que se acrescentou tamanho ponto a este conto?
AMR: Antes de mais, As Memórias de Newton, de Stukeley, é uma das únicas fontes que temos sobre a primeira parte da sua vida. Outra das razões pelas quais seria favorável promover esta história era porque Newton estava envolvido numa disputa com o filósofo matemático Gottfried Wilhelm Leibniz sobre a descoberta do cálculo. Leibniz publicou primeiro, mas Newton foi o primeiro a pensar sobre isso. Que melhor ideia poderia existir do que a de que Newton era uma criança prodígio? É uma boa história visual sobre inspiração. As pessoas memorizam-na, contam-na e vai melhorando de cada vez que é contada.
NG: Keith Moore, o bibliotecário da Real Sociedade de Londres para o Melhoramento do Conhecimento Natural, descreve ironicamente a história da maçã como “um sound bite do século XVIII”. É justo acusar Newton de ser um mestre da manipulação, ou pior, de estar a mentir?
AMR: Não acho que Newton esteja a mentir. Acho mesmo que ele teve um momento revelador. Acho que podemos ver ali um fundo de verdade. Mas não acho que a maçã tenha caído mesmo na sua cabeça. Podia tê-lo magoado.
NG: Vamos analisar outro famoso “momento eureka!” – o de Arquimedes, o famoso matemático grego e a história de como resolveu um problema, colocado pelo rei de Siracusa, enquanto tomava um banho.
AMR: O rei Herio II encomendou uma coroa real, para a qual providenciou o ouro. Quando a coroa chegou, o rei, desconfiado de que o ourives tivesse ficado com uma parte do ouro e o tivesse substituído por prata, pediu a Arquimedes para verificar se a coroa era feita exclusivamente de ouro, sem danificá-la. Como conseguiria ele fazer isso? Baixou-se para tomar banho e, de repente, percebeu que poderia chegar ao volume da coroa medindo a quantidade de água deslocada e, assim, resolver o problema. Saiu da banheira a gritar “eureka!”, e reza a lenda que o grito se ouviu por toda a cidade de Siracusa. Será que ele compreendeu o conceito de volume e de densidade relativa? Provavelmente, sim. Será que o seu grito se ouviu por toda a Siracusa? Provavelmente, não. E, além disso, a maior parte da informação que temos sobre Arquimedes foi escrita muito depois de ele ter morrido.