Por todo o mundo, há pessoas a desencadear a libertação das suas hormonas da boa disposição, possivelmente sem se aperceberem: os atletas perseguem aquela esquiva euforia do corredor, as pessoas riem-se à gargalhada ao verem memes, os casais estabelecem uma ligação entre os lençóis.
No entanto, as reacções químicas não estão associadas a todas as actividades físicas e alguns comportamentos são mais nocivos do que positivos a longo prazo. Além disso, a libertação destes químicos nem sempre ocorre naturalmente. Algumas pessoas podem ter dificuldades em produzir ou metabolizar estas hormonas devido a perturbações genéticas herdadas ou outros factores. Nestes casos, a medicação pode ser, mais do que útil, essencial.
Para todas as outras, porém, compreender os gatilhos que activam naturalmente a libertação de cada químico pode ser útil. Saiba o que funciona – e como – para “aumentar” as hormonas da felicidade de forma natural.
ALFRED PASIEKA / SCIENCE PHOTO LIBRARY
Esta imagem é uma microfotografia polarizada de cristais de oxitocina. A oxitocina provoca as contracções do útero durante o trabalho de parto e estimula a produção de leite nas mulheres que estão a amamentar. Esta hormona também melhora as interacções sociais e motiva os indivíduos a procurar e desenvolver ligações sociais mais profundas.
O que são as hormonas da boa disposição?
O cérebro responde a diversos estímulos produzindo mensageiros químicos –hormonas – que viajam através da corrente sanguínea até diferentes áreas do corpo onde desencadeiam funções ou sensações específicas. Um desses grupos de hormonas – composto pela dopamina, serotonina, endorfinas e oxitocina – recebeu a alcunha de “hormonas da boa disposição”. A libertação de cada um destes químicos está associada as escolhas específicas de estilo de vida, exercício e alimentação.
O momento em que estas hormonas são libertadas, tal como a sua quantidade, é parcialmente determinado pela sua associação a um alimento ou actividade específicos. Por exemplo, Anna Lembke, médica e professora de psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford, diz que adora chocolate e, por isso, quando pensa em comê-lo, o seu cérebro liberta uma dose de dopamina que lhe proporciona uma sensação de prazer. Isso “cria naturalmente a motivação ou o anseio de fazer algo para obtê-lo”, explica. Isto significa que, devido à sua associação com a guloseima, a hormona não só a recompensa quando ela come chocolate, como a motiva a procurá-lo quando pensa nele.
Contudo, químicos como a dopamina não devem estar sempre presentes e devem ser “desligados” de modo a conseguirem desempenhar a sua função quando a próxima oportunidade surgir. “Se a dopamina de um leão estivesse sempre ligada, eu correria atrás de tudo e não teria energia para prevalecer perante um bom projecto”, explica Loretta Graziano Breuning, professora emérita da California State University, em East Bay, e autora do livro Habits of a Happy Brain.
Recompensas da dopamina
Embora os estudos revelem alguma controvérsia sobre a forma como os neurónios produtores de dopamina reforçam os comportamentos adquiridos face à forma como encorajam comportamentos novos, foi demonstrado que este neurotransmissor da boa disposição reconhece e recompensa algumas actividades mais do que outras.
A dopamina é produzida em dois locais adjacentes do cérebro médio, denominados área tegmental ventral (ATV) e substantia nigra. Estudos demonstram que a função principal da dopamina é funcionar como o sistema de recompensa do cérebro.
Satisfazer o desejo por um alimento, como chocolate, alcançar um objectivo ou finalizar uma tarefa, e actividades de auto-cuidado, como correr ou tomar um duche quente podem desencadear uma libertação dopamina que induz uma sensação de felicidade e o desejo de regressar a esse alimento ou actividade.
Embora algumas drogas e o álcool também possam libertar uma torrente de dopamina e criar uma sensação de euforia, “o consumo repetido destas substâncias pode conduzir a níveis anormalmente baixos da transmissão de dopamina e a um estado de défice de dopamina, que é semelhante à depressão clínica”, explica Lembke. Por conseguinte, ela diz que é preferível desencadear a libertação de dopamina naturalmente, fazendo o trabalho necessário para libertá-la através de actividades como o exercício físico, “para que os níveis de optimismo aumentem lentamente ao longo da actividade e permaneçam altos após esta”.
ROSEM MORTON, NAT GEO IMAGE COLLECTION
Rir desencadeia a libertação de endorfinas, que contribuem para a redução do stress.
Estabilidade através da serotonina
A serotonina é mais conhecida como o “melhorador natural do humor” porque as concentrações baixas deste neurotransmissor foram associadas à depressão. É por isso que alguns antidepressivos actuam aumentando os níveis de serotonina. Estudos demonstram que esta hormona também influencia a memória, melhora a taxa de aprendizagem e promove o relaxamento.
Embora pequenas quantidades de serotonina sejam produzidas no tronco encefálico, a hormona é “maioritariamente produzida por células especializadas no intestino”, diz Emeran Mayer, director do G. Oppenheimer Center for Neurobiology of Stress and Resilience da Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
Passar tempo ao sol, fazer exercício e meditarsão actividades que podem libertar serotonina. Ser auto-suficiente e tomar conta de si próprio também. “Quando confiamos na nossa própria capacidade para satisfazermos as nossas necessidades, o nosso cérebro mamífero recompensa-nos com serotonina”, diz Breuning.
Alívio graças às endorfinas
Se alguma vez superou a dor correndo por uma encosta acima, deve agradecer esse impulso às endorfinas. Radicadas na mesma palavra que o opióide morfina, as “endorfinas são os analgésicos naturais do organismo”, diz Breuning. O neurotransmissor é sintetizado e armazenado na glândula pituitária, que se encontra na base do cérebro, atrás do nariz.
Além de ajudar a mascarar a dor, estudos mostram que as endorfinas também podem contribuir para reduzir o stress e melhorar o humor.
As endorfinas são libertadas pela prática de exercício físico, exposição a formas de entretenimento como música e filmes e através do riso. “Rir mobiliza músculos profundos que não precisam de muita activação e que acendem uma pequena faísca de endorfinas”, explica Breuning.
A hormona também é frequentemente associada à previamente mencionada “euforia do corredor”, mas uma investigação realizada pela Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, sugere que a euforia sentida após uma corrida deriva, mais provavelmente, da libertação de outras substâncias químicas, denominadas endocanabinóides, que também são produzidas pelo organismo.
Ligações sociais promovidas pela oxitocina
Outrora denominada “hormona do amor”, mas que veio revelar-se muito mais do que isso, a oxitocina é produzida no hipotálamo e libertada na corrente sanguínea pela glândula pituitária.
Vários estudos demonstram que a sua principal função é ajudar no parto, no período pós-parto e na lactação, mas a oxitocina também ajuda a melhorar as interacções sociais e motiva-nos a procurar e desenvolver ligações mais profundas. Por conseguinte, a hormona ajuda os seres humanos da mesma forma que ajuda os animais.
“Quando um animal fica demasiado isolado, um predador consegue eliminá-lo num instante”, explica Breuning. Por esta razão, diz a investigadora, o isolamento desencadeia naturalmente emoções negativas. A oxitocina, por outro lado, “provoca uma sensação agradável quando um mamífero regressa à segurança da sua rede social”.
Kent Berridge, professor de psicologia e neurociência da Universidade do Michigan, acrescenta que a libertação da hormona nem sempre manifesta algo bom porque a oxitocina também pode aumentar sentimentos de inveja. “Por isso, pode promover emoções sociais tanto positivas como negativas”, explica. Estabelecer contacto físico, como dar a mão ou um abraço ou uma ligação sexual, é uma maneira garantida de activar a libertação de oxitocina. Conversar, servir os outros e interagir com um animal de estimação também demonstraram proporcionar uma dose do químico.
Alguns químicos duram mais do que outros
Independentemente do comportamento que activa cada hormona, Breuning diz que cada químico só foi concebido “para ser libertado em pequenas doses”. Uma vez metabolizado, afirma, “a sensação agradável acaba”.
Mayer explica que a euforia proporcionada pelas endorfinas e a dopamina dura menos tempo, enquanto as doses de serotonina e oxitocina “são mais duradouras”. Independentemente da duração de cada estado de “euforia natural”, o nosso organismo acaba por regressar aos níveis normais, até precisar de recompensa ou motivação ou procurar novamente estas sensações. Como tal, Breuning diz que “teremos sempre de fazer mais para conseguirmos mais”.