Cerca de três mil milhões de pessoas em todo o mundo cozinham em lume aberto ou mal ventilado. As consequências para a saúde e o ambiente podem ser desastrosas, sobretudo para as mulheres e as crianças pequenas.
É manhã do Domingo de Páscoa, na pequena aldeia de San Antonio Aguas Calientes, no Centro da Guatemala. Elbia Pérez e as irmãs, filhas e o neto de 18 meses estão reunidos à volta da mesa da cozinha, sobre a qual uma grande panela cheia de tamales, pedaços de carne condimentada e massa de milho envolvidos em folhas de banana--da-terra, aguardam o momento de serem cozidos a vapor. A divisão transborda de conversas, risos e fumo, um fumo denso que traz lágrimas aos olhos e provoca tosse áspera e profunda.
A família não dispõe de um fogão convencional. Porém, o fogão a gás de dois bicos está sem combustível e a família Pérez não tem dinheiro para comprar uma botija. O seu eficiente fogão a lenha novo, um cilindro de betão doado por um grupo de ajuda internacional, é demasiado pequeno para suportar a panela dos tamales. Por isso, como acontece cerca de uma vez por mês, Elbia acendeu o fogão a lenha antigo, uma ruína de tijolo cujo fumo é expelido directamente para a cozinha. Todos reparam no fumo, mas é um incómodo familiar e um mal menor se comparado com o desafio diário de conseguir comprar comida e combustível.
Cerca de três mil milhões de pessoas em todo o mundo cozinham alimentos e aquecem casas com lume aberto ou mal ventilado. O típico lume para cozinhar produz fumo equivalente a 400 cigarros por hora. No mundo em desenvolvimento, os problemas de saúde provocados pela inalação de fumo são uma causa de morte significativa em crianças com menos de 5 anos e em mulheres. Para os alimentar, as famílias podem passar 20 horas por semana, ou mais, a colher lenha.
“A primeira coisa que engolíamos todas as manhãs era fumo”, recorda Marco Tulio Guerra, que cresceu na zona rural do Leste da Guatemala e cujo irmão sofreu queimaduras graves em criança no lume da cozinha. Os lumes domésticos também promovem a desflorestação, uma vez que a obtenção de lenha implica corte de árvores. E são uma fonte importante de carbono negro, um componente da fuligem que absorve a luz solar e contribui para as alterações climáticas.
Na década de 1970, um sismo de grande magnitude trouxe grupos de ajuda internacional à Guatemala. Ali chegados, tomaram conhecimento dos danos causados por estas lareiras de cozinha. Desde então, uma rede difusa de engenheiros e filantropos inventou e distribuiu centenas de tipos de fogões aperfeiçoados. Marco é agora proprietário de uma fábrica no centro da Guatemala que produz oito tipos de fogões aperfeiçoados.
Contudo, os fogões são mais fáceis de alterar do que os hábitos humanos. Para um fogão novo ser aceite por uma família, o fogão e o combustível têm de ser financeiramente acessíveis e fáceis de usar – objectivos difíceis de concretizar em simultâneo. Além disso, o projecto cai por terra se o cozinheiro não preparar comida à altura das expectativas com o novo fogão! Como explica a parteira guatemalteca Expedita Ramírez Marroquín, membro de uma equipa de investigadores de saúde ambiental, no que respeita a métodos de cozinhar mais seguros, as sogras críticas são os maiores obstáculos a vencer!
Com tempo, porém, até elas podem adoptar os novos costumes. Nas terras altas do Oeste da Guatemala, onde Expedita trabalha, a bisavó Eugenia Velásquez Orozco lembra-se de quando a sua família deixou de cozinhar num lume aberto e passou a usar um fogão com chaminé. Nas manhãs frias, fez-lhe falta o calor directo, mas habituou-se à mudança. Agora a mulher do seu neto está a aprender a usar um fogão a gás. “Dêem-me mais cinco anos e talvez me habitue a isso também”, diz Eugenia, com um sorriso.”