Os regimes alimentares tradicionais, constituídos por cereais integrais, legumes, frutos secos e leguminosas parecem evitar doenças e manter-nos saudáveis.
Passaram mais de 14 anos desde que Dan Buettner publicou nesta revista a sua primeira reportagem sobre os habitantes mais longevos do planeta. Dan continua a desvendar os segredos dos anciãos com mais de 100 anos nas regiões que classificou como “zonas azuis”. Regressou recentemente a quatro delas para aprender mais sobre os alimentos que contribuem para essa longevidade, recolhendo receitas testadas pelo tempo e investigando como géneros alimentares parecem proporcionar uma vida mais longa.
Sardenha, Itália
Região da mais elevada concentração de indivíduos do sexo masculino com mais de 100 anos
Os hidratos de carbono do pão da Sardenha entram na corrente sanguínea a um ritmo mais lento do que os hidratos provenientes do pão branco simples.
Franca Piras (à direita), com a ajuda das vizinhas Angela Loi e Marisa Stochino, da filha, Michela Demuro, e da neta, Nina, prepara culurgiones, um prato tradicional da região de Ogliastra. A massa fresca é moldada com a forma de bolsas e recheada com batata, queijo pecorino e hortelã. Fotografia: Andrea Frazzetta
Assunta Podda, de 99 anos, mexe vigorosamente uma panela de barro e mostra os dentes num sorriso aberto. “Minestrone”, explica, fazendo um gesto amplo com a mão.
Espreito a mistura que se encontra sob uma película dourada de azeite. É composta por feijão, cenoura, cebola, tomate, funcho, rutabaga e ervas. Atrás dela, a mesa posta à moda medieval: pães de levedura natural, legumes colhidos na horta, um jarro de vinho tinto cor de granada.
“Sente-se”, insiste. Junto-me à sua família e ao epidemiologista Gianni Pes, que estuda esta região.
Com a mão firme de uma mulher mais nova, serve o vinho em copos grossos e deita a sopa a ferver nos pratos.
“Agora, coma.”
Encontramo-nos na vertente oriental das montanhas sardas de Gennargentu, em Arzana, uma aldeia localizada na região com o maior número de homens com mais de 100 anos de idade de todo o mundo. Nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, 38 pessoas desta aldeia (1 em cada 100) viveram pelo menos um século de idade.
Uma dieta saudável é um factor importante da receita para a longevidade, que também inclui um círculo de amigos duradouros, motivações para viver, um ambiente que promova o dinamismo e rituais diários que mitiguem o stress.
Gianni Pes descobriu este fenómeno no fim da década de 1990. Desde então, entrevistou meticulosamente mais de trezentas pessoas centenárias, fazendo-lhes questionários exaustivos. No seu entender, grande parte desta longevidade explica-se em função das ruas íngremes, do zelo pela família, do respeito pelos anciãos, da cultura matriarcal em que as mulheres carregam sobre os ombros a maior parte do stress familiar e de um regime alimentar simples. Gianni afirma ter descoberto que os cônjuges das centenárias vivem mais tempo do que os irmãos dos centenários, sugerindo que o regime alimentar e o estilo de vida são mais importantes do que o factor genético.
O especialista sorve uma colher cheia de sopa. “Delizioso!” exclama, olhando com admiração para Assunta Podda, que semicerra os olhos e encolhe os ombros.
A sopa minestrone disponibiliza os aminoácidos essenciais, uma mistura rica de vitaminas e grande variedade de fibra. Gianni descobriu que os centenários possuem estirpes específicas de bactérias nos seus aparelhos digestivos que transformam a fibra em níveis invulgarmente elevados de ácidos gordos com um número ímpar de átomos de carbono. Estas gorduras saturadas estão associadas a um risco mais baixo de doença cardíaca e talvez previnam o cancro.
Em Seulo, outra aldeia abençoada com uma elevada percentagem de centenários, eu e Gianni visitamos uma padaria comunitária secular. Uma dezena de mulheres prepara o pão especial que é comido em quase todas as refeições. Observamo-las enquanto ateiam um lume potente no interior de um forno de tijolo e amassam o pão com braços fortes e de rostos corados. A padeira mais velha, uma octogenária vigorosa, de baixa estatura, chamada Regina Boi, supervisiona todas as etapas do processo, com o seu vestido negro e lenço na cabeça, dando conselhos e avisando que a massa está pronta e o forno suficientemente quente para cozer.
Regina fornecera a massa-mãe, uma espuma pastosa semelhante a leite coalhado que a sua família produz há muitas gerações. A massa-mãe contém levedura e uma bactéria de Lactobacillus autóctone. A levedura e os lactobacilos geram o dióxido de carbono que faz levedar o pão e os lactobacilos também decompõem os hidratos de carbono de maneira a produzir ácido láctico.
O ácido dá um sabor azedo ao pão, mas, mais importante ainda, diz Gianni Pes, leva a que os hidratos de carbono entrem na corrente sanguínea a um ritmo 25% inferior ao do pão branco simples.
No momento em que o jantar da família Podda se transforma numa troca bem-humorada de coscuvilhices de aldeia, Gianni Pes, animado pelo ambiente de festa, levanta o copo e grita a saudação habitual da ilha, proferida no dialecto local: “A kent’ annos!” [“Que vivam até aos 100!”]
“E que estejas cá para contar os anos!”, berra a família em resposta. Um segundo mais tarde, Assunta repete a frase suavemente. A verdade é que, desde o dia do nosso jantar, ela entretanto celebrou o centésimo aniversário.
Uma dieta para o planeta.Conseguiremos alimentar os dez mil milhões de habitantes do planeta em 2050 e, simultaneamente, proteger o ambiente? Segundo um grupo de cientistas de 16 países, a resposta pode ser afirmativa. Delinearam metas para uma alimentação adequada e produzida de maneira sustentável para o planeta: o consumo mundial de alimentos como a fruta e os frutos secos duplicará e o consumo de carne vermelha e de açúcar deverá ser reduzido para metade. Os cientistas conceberam o regime depois de analisarem os dados nutricionais de géneros alimentares e o respectivo impacte ambiental. Aqui, esse regime é decomposto por tipo de alimento e comparado com o consumo nas diversas regiões do mundo. As regiões mais próximas das metas, apresentadas em semicírculos a tracejado, são as que se encontram mais alinhadas com o consumo diário* recomendado para esse tipo de alimento.
Nicoya, Costa Rica
Os adultos que aqui vivem têm a esperança de vida mais alta do continente americano.
O acesso fácil a fruta como o abacaxi e a papaia, colhidos nos pomares de casa, permite manter um regime alimentar à base de vegetais durante todo o ano.
Quando Gianni Pes começou a estudar as populações centenárias, assinalou num mapa as regiões com moradores mais longevos, marcando-as com pontos azuis. Ao reparar numa grande profusão desses pontos na província sarda de Nuoro, começou a referir-se a ela como “zona azul”. Travei conhecimento com o especialista quando andava a percorrer o mundo em busca dos pontos quentes da longevidade e adoptei a sua classificação para zonas semelhantes que descobri: Nicoya (Costa Rica), a ilha grega de Ikaria, a ilha de Okinawa, no Japão, e uma comunidade de adventistas do sétimo dia no Sul da Califórnia.
Analisei dados recolhidos sobre os regimes de cada região e inventariei os seus alimentos ao longo do último século. Até finais do século XX, esses regimes eram quase exclusivamente constituídos por géneros alimentares minimamente transformados de base vegetal. Em média, as pessoas só consumiam carne cinco vezes por mês. Bebiam essencialmente água, tisanas de ervas, café e algum vinho. Curiosamente, bebiam pouco leite de vaca: praticamente desconheciam os refrigerantes. Devido ao aumento da globalização, os alimentos transformados, os produtos de origem animal e a comida rápida estão a suplantar os regimes tradicionais. Não é de admirar, portanto, que as doenças crónicas estejam a aumentar nas zonas azuis.
Um regime alimentar saudável é apenas um dos factores que promovem a longevidade, mas há factores culturais importantes, como um círculo de amigos duradouros, motivações para viver, um ambiente que promova o dinamismo e rituais diários que mitiguem o stress.
A zona azul da Costa Rica é uma faixa com cerca de cinquenta quilómetros de extensão que corre ao longo da península de Nicoya: não abrange os complexos turísticos situados na costa.
Encontrei todos os factores na região de Nicoya, na Costa Rica, juntamente com aquele que talvez seja o pequeno-almoço mais saudável do mundo.
Todas as manhãs, ao romper do dia, na cidade de Santa Cruz, María Elena Jiménez Rojas e uma dezena de mulheres de Coopetortilla acendem o fogo em longos fornos de barro e remexem caldeirões de feijões picantes. María Elena retira, com a ponta dos dedos, um pedaço de massa de milho do tamanho de uma bola de golfe, deixa-a cair sobre papel-manteiga e roda-a com precisão mecânica até a transformar numa forma redonda e espalmada. Coloca-a então num prato de barro quente, chamado comal, sobre o qual a massa torra brevemente antes de crescer, tornando-se uma panqueca insuflada. Depois desincha e assume a forma perfeita de uma tortilha.
Três mulheres misturam feijão preto com cebolas, pimentos vermelhos e ervas. Os feijões cozerão até ficarem perfeitamente tenros, sendo depois misturados com arroz, pimento salteado, cebola e alho para criar a versão costa-riquenha do gallo pinto. Há quase 30 anos, conta María Elena, a cooperativa era apenas uma loja de tortilhas. Depois, jovens mães dirigiam-se a ela para lhe pedirem trabalho e ela ajudou dezenas a saírem da pobreza.
Poucos minutos antes das seis horas da manhã, começam a chegar os primeiros clientes. As empregadas servem gallo pinto e tortilhas quentes. Os clientes recheiam as tortilhas com feijões, cobrem-nas com um molho picante chamado chilero, e empurram-nas goela abaixo com café simples, saboreando uma receita propícia à longevidade que reflecte milhares de anos de génio culinário.
A zona azul da Costa Rica é uma faixa com aproximadamente 50 quilómetros de extensão que corre ao longo da península de Nicoya: não abrange os complexos turísticos situados na costa. A região é essencialmente composta por pastagens secas e florestas. Até há cerca de 50 anos, os habitantes eram, na sua maioria, agricultores de subsistência ou trabalhadores em fazendas ganadeiras, suplementando o regime alimentar de milho e feijão com frutos tropicais, produtos hortícolas e, esporadicamente, carne de caça e peixe.
O povo choroteca, que habita na região e aprimorou este regime, consome essencialmente os mesmos géneros alimentares há milénios. Isso talvez ajude a perceber a razão pela qual os adultos que aqui vivem têm a esperança de vida mais alta das Américas e os homens com mais de 60 anos apresentem a mais baixa taxa de mortalidade, fiavelmente medida, dentro do seu grupo etário em todo o mundo.
As tortilhas de milho talvez contribuam para essa longevidade. São uma excelente fonte de cereais, com hidratos de carbono complexos, ricos em vitaminas, minerais e fibra.
A cinza de madeira que as mulheres adicionam ao humedecerem o milho decompõe a parede celular dos grãos e liberta niacina que, por sua vez, ajuda a controlar o colesterol. O feijão preto contém os mesmos antioxidantes de base pigmentar que existem nos mirtilos. Também é rico em fibra depuradora do cólon.
A magia resulta da combinação entre milho e feijão. O nosso organismo necessita de nove aminoácidos para fabricar músculo. Produtos de origem animal como a carne, o peixe e os ovos fornecem esses nove aminoácidos, mas também contêm colesterol e gorduras saturadas. Juntos, o feijão e o milho fornecem os nove aminoácidos sem nenhum dos elementos nocivos.
Há investigadores a pesquisar se esta combinação também preserva a saúde celular humana. David Rehkopf, especialista em epidemiologia social da Universidade de Stanford, juntamente com o perito costa-riquenho em demografia Luis Rosero-Bixby, descobriram que os habitantes de Nicoya parecem ser dez anos mais novos em termos biológicos do que cronológicos.
Tomo o pequeno-almoço em Coopetortilla, comendo feijões enrolados em tortilhas condimentadas com chilero e acompanhadas por goles de café. Gotas de suor formam-se na minha testa e lágrimas correm-me pelo rosto abaixo. “Sente-se bem?”, pergunta María Elena Rojas, com um olhar preocupado.
“Não se preocupe”, respondo. “São lágrimas de felicidade.”
Yoshiko Shimabukuro, de 91 anos, fundadora do Okinawa Daiichi Hotel, bebe sopa de miso ao pequeno-almoço. Ela e a filha Katsue Watanabe especializaram-se em inventar requintadas refeições vegetarianas com cerca de cinquenta ingredientes locais. Fotografia: David Mclain
Okinawa, Japão
Habitantes com probabilidade três vezes superior à dos norte-americanos de alcançarem os 100 anos.
Carregado de vitaminas, o goya é um dos alimentos preferidos, por proteger as células e baixar o nível de açúcar no sangue.
Em Okinawa, a meio mundo de distância, preparo-me para degustar mais um candidato ao pequeno-almoço mais saudável do mundo no Hotel Okinawa, em Naha, na companhia de Craig Willcox, outro investigador em busca de pistas nos regimes alimentares para a longevidade.
Em comparação com os EUA, os moradores de Okinawa têm três vezes mais probabilidade de atingir os 100 anos. As mulheres apresentam uma taxa de cancro da mama cerca de 50% inferior, ambos os sexos são afectados por um terço a um quarto da taxa de doenças cardíacas e os idosos que morrem da demência de Alzheimer representam uma percentagem de 1/10 a 1/12.
Um composto presente nas algas foi associado a um gene que, quando activado, parece dar instruções às células para limparem os resíduos e reduzirem a inflamação, factores que estão na origem da maior parte das doenças relacionadas com a idade.
Todas as manhãs, a fundadora do hotel, Yoshiko Shimabukuro, uma mulher de 91 anos baixa e enérgica, e a sua filha Katsue Watanabe, provadora certificada de vegetais, preparam pratos vegetarianos a partir de cerca de 50 ingredientes, metade dos quais só existem em Okinawa. Diante de nós, encontra-se uma explosão de alimentos coloridos, muitos dos quais ajudaram a criar aquela que é a população mais idosa do mundo, embora a saúde das gerações mais novas tenha diminuído.
Craig, antropólogo e gerontologista, salienta que todos os 20 pratos desta refeição (incluindo sopa de tofu, salada de cenoura, um feto cozido chamado otani-watar e papaia salteada) têm poucas calorias. A comida de Okinawa é densa em valor nutricional e tem baixo teor calórico.
Juntamente com o seu irmão gémeo, Bradley, e o mentor de ambos, Makoto Suzuki, Craig tem escrito livros onde documenta quase tudo o que sabemos sobre o regime alimentar tradicional desta ilha. Os irmãos chegaram a Okinawa em 1994, interessados em estudar a população centenária e associaram-se a Makoto Suzuki. Durante um quarto de século, este trio documentou o que os habitantes locais comem e investigou as razões pelas quais essa alimentação os ajuda a evitar doenças.
Craig aponta um pauzinho na direcção de um prato de goya champuru, um clássico de Okinawa à base de tofu salteado com fatias verdes-marinhas de goya, ou melão amargo – um ingrediente decisivo na sua confecção. O goya é rico em vitaminas A e C, folato e potentes compostos antioxidantes que ajudam a proteger as nossas células contra lesões, diz Craig. É anticancerígeno, protege as membranas do fígado e das células, ataca os radicais livres, inibe bactérias como a E. coli, e tem a capacidade de baixar o açúcar no sangue.
Craig prova o tofu. Peça proteica central da alimentação diária de Okinawa, substitui muitas vezes outras proteínas menos saudáveis, como a carne ou os ovos. Tradicionalmente produzido com água do mar, o tofu de Okinawa é rico em cálcio, magnésio, zinco e outros sais minerais inexistentes no regime alimentar da maioria dos norte-americanos. Também possui um teor elevado de genisteína e daidzeína, que se metabolizam em equol. A genisteína e o equol são isoflavonas que, segundo as notas de Craig Willcox, estão associadas à redução do risco de cancro e de doença cardiovascular.
Craig pega numa chávena de porcelana que contém uma bebida garrida. “Chá de curcuma”, informa. A substância activa presente na curcuma pode ajudar o organismo a proteger-se contra doenças, incluindo o cancro, a doença cardíaca e a demência. Os ilhéus adoptaram o truque japonês de utilizar sabores fortes como a curcuma para reforçar o sabor dos legumes saudáveis. A maioria das receitas utiliza daxi, um caldo rico, habitualmente preparado com pedaços de serrajão seco ou laminárias.
O daxi consegue transformar uma pilha de legumes numa explosão deliciosa, dando origem a um prato com menos calorias que um hambúrguer, mas com cinco vezes mais nutrientes.
Enquanto encho o meu prato com mais iguarias, Craig opta por uma massa glutinosa de algas que se parece com esparguete verde. Os ilhéus consomem mais de uma dezena de variedades de algas, aos quais ele chama “legumes do mar”. Esta alga, chamada mozuku, contém uma enorme quantidade de fucoidano, um composto anticancerígeno e antiviral que, segundo Craig Willcox, poderá ser capaz de reduzir a inflamação, controlar o nível de açúcar no sangue e criar vasos sanguíneos.
Ainda mais misterioso, outro componente das algas, chamado astaxantina, foi associado a um gene que, quando activado, parece dar instruções às células para limparem os resíduos e reduzirem a inflamação, factores que estão na origem da maior parte das doenças relacionadas com a idade.
Depois de passar duas horas a aprender e a comer, contemplo o mar de pratos vazios. “Sinto-me um perfeito glutão”, digo. “Não se sinta culpado”, responde Craig. A nossa refeição con-
tinha menos de seiscentas calorias, aproximadamente as mesmas de uma bolacha grande.
Krystal Gheen e o filho de 3 anos, Austin, apanham beterrabas na horta para o jantar, refeição que ela planeia em função do que está maduro. À semelhança de muitos moradores desta cidade no interior do Sul da Califórnia, os membros da família Gheen são adventistas do sétimo dia e seguem um regime alimentar inspirado pela Bíblia.
loma Linda, California
Os adventistas com uma alimentação vegetariana tendem a viver mais tempo do que aqueles que ingerem carne.
A alimentação à base de vegetais dos adventistas fundamenta-se em passagens da Bíblia e reflecte as recomendações contemporâneas relativas aos regimes alimentares.
A última escala da minha viagem é Loma Linda, na Califórnia, onde uma comunidade de adventistas do sétimo dia há muito segue uma alimentação inspirada na Bíblia. As suas directrizes têm origem em excertos como Génesis, 1:29: “Deus disse: ‘Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento’.”
Os adventistas cumpridores deste regime alimentar tendem a viver mais tempo. Segundo um estudo, a esperança de vida dos adventistas na Califórnia é 7,3 anos superior nos homens e 4,4 anos nas mulheres, em comparação com os homólogos californianos. Ser simultaneamente vegetariano e adventista acrescenta ainda mais dois anos à esperança de vida.
Quando pedi aos investigadores que estudam este regime alimentar para me indicarem alguém que o praticasse, mandaram-me falar com Dorothy Nelson, de 90 anos. Ela dá-me as boas-vindas e conduz-me à sua cozinha bem iluminada.
Dorothy começa a cozinhar um almoço saboroso. Quando a cumprimento pelos dotes culinários, ela revela-me o seu segredo: “Esta cozinha é temperada com amor.”
Durante o almoço, a minha interlocutora conta a sua vida. Quando era mais nova, teve uma vida aventureira como enfermeira-piloto em missões da igreja. Certa vez, andava com o seu co-piloto a fazer pequenos voos com várias escalas através do Árctico quando o motor do avião começou a soluçar e o aparelho caiu a pique. No último minuto, avistaram uma zona plana num banco de gelo entre o Canadá e a Gronelândia. Achou que ficariam bem “enquanto o bom Deus quiser que eu ande por aqui”, recorda. Quando aterrou, o avião escorregou, mas ficou direito.
“Nunca provei carne.” Dorothy Nelson, de 90 anos, tem uma tensão arterial perfeita e uma frequência cardíaca em repouso de 60. Caminha cinco quilómetros por dia.
A dupla foi descoberta cinco dias mais tarde. Os membros da equipa de resgate ofereceram-lhes café quente. “Nunca tinha provado café”, diz. A cafeína e o álcool são desaconselhados aos adventistas.
Enquanto defensora dos hábitos vegetarianos, Dorothy é uma descendente culinária directa de Ellen G. White, que ajudou a fundar aquilo que hoje é a Igreja Adventista do Sétimo Dia, uma congregação protestante. Na transição para o século XX, Ellen White redigiu pela primeira vez as prescrições alimentares que, desde então, orientam esta subcultura de norte-americanos. Elogiou o consumo de cereais integrais, fruta, frutos secos e legumes, os quais “nos proporcionam uma força, capacidade de resistência e vigor de intelecto que um regime alimentar mais complexo e mais estimulante não nos dá”. Desaconselhou o uso de gordura, especiarias e sal e o uso de açúcar, que “causa fermentação, obnubila o cérebro e torna o temperamento irritadiço”. As recomendações parecem admiravelmente prescientes, reflectindo as directrizes da Sociedade Americana para o Cancro e da Associação Americana do Coração.
A maioria das novidades sobre o regime alimentar dos adventistas são-nos dadas por Gary Fraser, adventista e investigador. Com formação médica, apercebeu-se de que os adventistas tinham corações mais saudáveis do que os não-adventistas e começou a interrogar-se se a ciência poderia validar os atributos saudáveis da sua alimentação. Dirige agora a organização Adventist Health Studies, responsável pela monitorização da saúde de dezenas de milhares de adventistas norte-americanos.
Segundo a sua investigação, os adventistas vegetarianos têm cerca de 12% menos probabilidade de morrer do que não-vegetarianos que só consomem pequenas porções de carne. Por outro lado, entre os adventistas mais jovens, os que comem mais carne apresentam uma taxa 46% mais elevada de morte prematura do que aqueles que obtêm a sua proteína ingerindo frutos secos, sementes e leguminosas. “Não há dúvidas de que a alimentação à base de vegetais é o caminho a seguir”, afirma Gary Fraser.
Quando cheiro os cozinhados de Dorothy Nelson, sinto-me inclinado a concordar. Depois de combinar feijão preto com couve e couve-flor cozidas ao vapor, ela acrescenta fatias de tofu tostado, sementes de sésamo e borrifos de molho de soja. Eis uma mistura de hidratos de carbono complexos, proteínas, vitaminas, sais minerais e antioxidantes, com menos calorias do que um pacote de batatas fritas. Dorothy conta que a sua tensão arterial é perfeita e que a frequência cardíaca em repouso é 60. Caminha cinco quilómetros por dia.
Tudo indica que a maior parte das calorias ingeridas na alimentação tradicional das zonas azuis provém de alimentos integrais de base vegetal. Cereais, hortaliça, frutos secos e leguminosas são os quatro pilares de todos os regimes alimentares de longevidade da Terra. Quase metade das pessoas que morrerem este ano nos EUA serão provavelmente vítimas de doenças cardiovasculares, cancro ou diabetes. Nas zonas azuis, há menos vítimas destas doenças porque, durante a maior parte das suas vidas, limitaram-se a comer aquilo que estava disponível e, felizmente para elas, foi uma alimentação à base de vegetais e produtos integrais. O método da tentativa e erro criou receitas que tornam estes alimentos deliciosos e nutritivos. Talvez seja esse o segredo para sermos mais saudáveis. Se quiser uma boa receita para começar, conheço uma centenária bem-disposta que faz uma sopa de legumes do arco-da-velha!