O Outono foi chuvoso e, ao lado da estrada, os campos estão alagados. Estamos na Companhia das Lezírias. Depois de atravessar pastagens e montados de sobro bem cuidados, entramos num pinhal. Junto do caminho, há lenha empilhada e, ao longe, ouvem-se motosserras. Percorremos uma longa recta ladeada por pinheiros-bravos que aparentam estar de boa saúde. Quando nos aproximamos do fim da parcela, onde os operários ainda não chegaram, avistamos por fim aquilo que aqui nos trouxe. Discretamente no meio dos pinheiros verdes e viçosos, um deles apresenta as agulhas castanhas. Luís Bonifácio, entomólogo do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), sai do carro com um berbequim na mão e adverte: “Este pinheiro está inequivocamente doente, mas podem existir várias causas.” Com um pequeno machado, o biólogo retira uma parte da casca do pinheiro e, com recurso a uma broca de passo largo, extrai uma amostra do interior do tronco. Um pequeno saco de plástico com mão-cheia de serradura será levado para o laboratório do INIAV, onde a análise revelou mais tarde que o responsável pelo lastimável estado daquela árvore era o vilão da nossa história.

O milénio aproximava-se do fim e para lá das inverosímeis profecias apocalípticas, propagava-se o medo real do “bug do milénio”. Porém, antes de o calendário tranquilizar os mais pessimistas, um nematólogo da Universidade de Évora, Manuel Mota, e dois investigadores do INIAV, Edmundo Sousa e Maria Antónia Bravo, anunciaram uma temida descoberta: um conjunto de amostras da madeira de pinheiros-bravos doentes, recolhido na Marateca entre 1996 e 1999, estava infestado por Bursaphelenchus xylophilus, o responsável pela doença da murchidão do pinheiro. O vulgarmente conhecido nemátode-da-madeira-do-pinheiro é uma espécie nativa da América do Norte já conhecida no resto do mundo pelo impacte que teve nas florestas asiáticas quando foi acidentalmente introduzido ali no início do século XX.

nemátode no pinhal português

Um túnel de vento regulado para 0,4 metros por segundo produz uma brisa suave, onde se testam misturas de voláteis do pinheiro e feromonas que devem atrair os insectos vectores para as armadilhas.

A introdução acidental de espécies exóticas não é um fenómeno novo, mas ganhou nova dimensão com a aceleração global da circulação de pessoas e mercadorias. Por comparação com o bug do milénio, o nemátode inicialmente passou despercebido, mas as décadas seguintes confirmaram que o seu impacte era mais grave. A detecção desta espécie em Portugal não era apenas motivo de preocupação nacional – correspondeu também à primeira vez em que foi detectada na Europa. Nos primeiros pinheiros infestados, foram encontrados curculionídeos ou gorgulhos, cerambicídeos ou brocas e outros insectos xilófagos e subcorticais. A ecologia do nemátode já era conhecida e sabia-se que a sua dispersão dependeria da boleia de um insecto voador.

A investigação deste novo problema da floresta foi liderada desde o início pela equipa de entomologia florestal de Edmundo Sousa, que já incluía Luís Bonifácio e também outro biólogo, Pedro Naves, tendo ambos desenvolvido o doutoramento sobre este tema.

Os nemátodes são um grupo diversificado que inclui as lombrigas e até enormes parasitas de baleias que podem medir oito metros de comprimento. O que afecta o pinheiro-bravo não atinge um milímetro de comprimento e é virtualmente invisível a olho nu. Actualmente, equipas da Universidade de Coimbra (liderada por Isabel Abrantes) e do INIAV trabalham na detecção e no desenvolvimento de medidas para o controlo do nemátode. A genética parece indicar que os nemátodes que chegaram a Portugal tiveram origem na população naturalizada na Ásia. Não deixa de surpreender que um organismo invisível possa, em poucos dias, derrubar uma árvore que poderia viver 200 anos e atingir a altura de um prédio de 12 andares.

Foram precisos dois anos após a detecção do nemátode para identificar o seu cúmplice em Portugal. O longicórnio-do-pinheiro (Monochamus galloprovincialis) é um cerambicídeo cujas larvas comem a madeira e os adultos ingerem apenas a casca mais fina. Os nemátodes alojam-se no seu sistema respiratório e, enquanto este se alimenta da casca fina, eles contaminam as árvores.

Apesar de a utilização da madeira de pinho e de a plantação destas árvores serem tão antigas que os silvicultores têm dificuldade em delimitar a área de distribuição original, esta é uma espécie nativa em Portugal, tal como o longicórnio. A relação entre ambos foi equilibrada até à chegada do nemátode. Sentado no seu gabinete, Edmundo Sousa explica: “O nemátode e o longicórnio não estabelecem uma verdadeira simbiose, ainda que o primeiro dependa do segundo e o insecto beneficie da existência de mais árvores mortas para colonizar.” Aqui, o trabalho de eliminação de árvores doentes tem sido eficaz, e o pinhal parece saudável, mas noutras regiões do país onde impera a pequena propriedade e o relevo dificulta as intervenções, o cenário é desolador. Logo após a descoberta do nemátode em Portugal, o embargo à madeira de pinho nacional fez colapsar o seu valor. Em 1995, o pinheiro-bravo cobria em Portugal 1,25 milhões de hectares, mas, 20 anos mais tarde, já caíra para 700 mil. Esta quebra não resulta só das perdas directas, mas também do impacte dos incêndios e da desvalorização da matéria-prima que contribui indirectamente para o crescimento da cobertura de eucalipto.

Nesta tragédia com um impacte social e económico difícil de medir, há também boas notícias. Em mais de vinte anos de intensa monitorização, o nemátode nunca foi detectado no pinheiro-manso porque o insecto vector não se alimenta da espécie. No entanto, se a praga chegar aos Pirenéus, há o risco de alastrar ao pinheiro-de-casquinha e ter um impacte incalculável no Centro e Norte da Europa. Portugal tem a responsabilidade de salvaguardar os seus recursos florestais e de tentar circunscrever o problema. Anualmente, as campanhas de monitorização forçaram sucessivas revisões em alta da área afectada e, em 2008, numa medida desesperada, a União Europeia ditou uma faixa da contenção de quatro quilómetros onde foram abatidos todos os pinheiros doentes ou saudáveis. Muitos milhões de árvores e de euros mais tarde, a eficácia da medida foi duvidosa.

nemátode no pinhal português

No final da década de 1920, Antero Ferreira de Seabra, investigador da Universidade de Coimbra, começou a organizar esta colecção, mas estava longe de imaginar o dramático papel que uma destas espécies assumiria no século seguinte. Ligeiramente abaixo e à esquerda do centro da imagem, seis espécimes de longicórnio-do-pinheiro repousam para a posteridade.

Edmundo Sousa é peremptório: “A ciência mostra que o longicórnio pode voar muito mais do que quatro quilómetros e que os cortes rasos estimulam a dispersão e encorajam os insectos a voar mais longe.” Nos anos seguintes, a praga saltara da península de Setúbal e da costa alentejana para a região Centro onde o pinheiro é rei. A derradeira linha de defesa é uma faixa de 20 quilómetros ao longo da fronteira onde felizmente o pinheiro não é contínuo e onde todas as amostras até ao momento se revelaram negativas. No entanto, em Espanha já foi detectado, embora as autoridades tenham assegurado tratar-se de casos isolados cujo controlo está a ser efectuado.

De volta ao laboratório, em Oeiras, Luís Bonifácio regressa ao túnel de vento onde tem testado cocktails de voláteis do pinheiro e de feromonas que idealmente vão atrair os longicórnios para as armadilhas e controlar as suas populações… e as do nemátode. Um longicórnio é colocado numa pequena plataforma no túnel em que viaja uma fragrância que se pretende que seja irresistível. O seu comportamento tem permitido afinar o aroma ideal.

As sucessivas combinações de armadilhas com os compostos atractivos têm revelado crescente eficácia e constituem um auxiliar precioso para retardar a dispersão da doença, mas torna-se dolorosamente óbvio que a pergunta não é se irá vencer as fronteiras do país ou da península. A pergunta que se impõe é quando e quão bem preparados irão os outros países estar para o enfrentar.

Edmundo Sousa está em permanente diálogo com outros países da Europa para antecipar a chegada deste animal indesejado. “Podemos fazer tudo bem e travar a dispersão do insecto vector e da doença, mas o nemátode pode chegar numa dos milhões de paletes ou embalagens feitas de madeira que desembarcam diariamente nos portos europeus”, desabafa. A luta, além de ciclópica, é de desfecho ingrato.